sábado, 28 de novembro de 2015

Noções de América e a Obra: Joana de Ângelis, A Mentora das Américas



Olá galerinha do bem e do mal, como estão?


      “José Olívio Paranhos Lima (Catu, 2 de setembro de 1955) é um cordelista brasileiro. Filho de Olívio Pereira Lima (Oliveira) e Amélia Paranhos Lima (Iaiá),  criado, porém, por Gedalva Ramalho Madureira (Dai), escritor, ativista ecológico e autor de obras em Literatura de Cordel brasileiro. Aos seis anos, mudou-se para Alagoinhas. É membro da Ordem Brasileira dos Poetas de Cordel. Autor de vários livros de poesia, José Olívio é licenciado em Letras pela UNEB, professor radicado em Alagoinhas, no Estado da Bahia. Durante a elaboração da Constituição brasileira de 1987, o poeta deflagrou um movimento Circuito Nacional de Preservação da Amazônia, que antecedeu, no país, a criação das entidades ecológicas. Espírita, dedicou algumas de suas obras à divulgação da fé que abraçou.”                                         
       Apresentado, ligeiramente o autor, resta apresentar a personagem central do cordel de Paranhos. Joanna de Ângelis é famosa no meio espírita, por ser considerada a mentora espiritual do médium baiano Divaldo Franco. Franco é, nada menos, que o maior expoente no movimento espírita brasileiro e, quiçá, internacional, uma vez que o Brasil figura como o principal país espírita contemporâneo, tanto em termos quantitativos como qualitativos. Não por acaso, um dos cordéis de Paranhos é dedicado, especialmente ao médium: Divaldo Franco, O Baiano que virou Cidadão do Mundo
       O mentor ou guia espiritual possui uma função análoga ao do anjo da guarda católico, sendo que, em casos de mediunidade aflorada, essa função extrapola aquela interlocução muda e aparentemente unilateral, baseada na crença do invisível para configurar-se uma experiência audível, visível ou, até mesmo, tangível. Ou seja, do ponto de vista do médium, seria uma experiência tão real quanto qualquer outra e, por isso mesmo, sua interlocutora, Joanna, longe de ser um fruto de algum distúrbio mental, figuraria como uma entidade tão viva quanto real. Paranhos escreve a partir dessa perspectiva.
      Segundo Divaldo Franco, Joanna de Ângelis teria encarnado ao menos quatro vezes na Terra. Na primeira “descida” teria sido Joana de Cusa, uma das mulheres do evangelho canônico. Seria esposa de Cusa, o procurador de Herodes e tornou-se uma das principais discípulas de Jesus, segundo o livro Boa Nova, psicografado por Francisco Xavier.
      Numa segunda encarnação, teria sido uma seguidora de São Francisco de Assis, cuja missão era a renovação de uma Igreja desvirtuada. Encarnanda pela terceira vez, ela ressurge em Nova Espanha (atual México), séc. XVII, como Juana Inês de La Cruz. Esta, talvez seja sua mais importante encarnação. Inês de La Cruz é uma famosa personagem histórica do México, devido às suas vigorosas obras de poesia e dramaturgia. Foi uma criança prodígio e autodidata, aprendendo espanhol, português, nahuátl e latim, num curto período de tempo. Intentou ingressar na Universidade, vestida de homem, por  ser essa instituição de ensino restrita aos homens, mas terminou por saciar sua sede de saber na ordem das Carmelitas e, posteriormente, na ordem das Jerônimas. Foi uma monja das bibliotecas, erudita, aficionada por livros e defensora da liberdade da mulher, sendo considerada a primeira feminista da América. 
     O primeiro detalhe que chama atenção no cordel é o próprio título. Joana de Ângelis é alçada à condição de mentora das Américas. A América aparece no plural, demonstrando uma noção de desmembramento desse continente, por parte do autor. Na perspectiva de Paranhos, existe mais de uma América, fato que pode ser justificado das mais diversas formas e sob variados referenciais. Ainda assim, Joana aparece como um fator de coesão, supondo a ideia de vários em um. Esse argumento é corroborado pelos versos que qualificam Joana como “a primeira americana a defender a mulher”. Nesse caso, não há especificação de América Latina, do Norte ou do Sul. Ela é vista como uma personalidade americana, não restrita aos EUA, mas referente ao Continente assim nomeado, em homenagem a Américo Vespúcio.
      A região que hoje corresponde ao Estado mexicano aparece nos versos de Paranhos associada à doença, à fome (pobreza) e à ignorância: “Onde havia muito doente \ E povo passando fome \ Era rude aquela gente.” Isso contrasta com a posição privilegiada da personagem, que chegou a frequentar a corte como dama de companhia da vice-rainha, a Marquesa de Mancera. Além de conviver com uma nobreza local abastada, Juana contrastava pelos seus destacados dotes intelectuais, dotes esses que tornaram possível os contatos com a corte e lhe granjearam a amizade de mulheres da nobreza. Ela surge como um farol, em meio a uma terra sofrida.
     Se, por um lado, a Nova Espanha parece um lugar desolador, Juana Inês encarna com brilhantismo um projeto de redenção e libertação das Américas. Uma personagem heroica, destacada pela sua erudição que, mesmo vivendo em meios elitistas e conservadores, foi capaz de questionar o status quo, submetendo-se, deliberadamente, às disciplinas rigorosas das ordens religiosas, fora do conforto da corte. Uma submissão que tinha como pano de fundo seu desejo ardente pelo conhecimento, vetado pelas Universidades da época. Ironicamente, nessa terra de fome e doença, a heroína de Paranhos morre, vítima de uma epidemia, e, mesmo próxima da morte, conseguiu socorrer várias irmãs.
            O cordel, o qual descreve três encarnações de Joanna de Ângelis, equipara Brasil e México como países americanos, pertencentes à mesma América. Fato interessante, se nos lembrarmos da maneira apartada como muitos brasileiros pensam o Brasil em referência à América Latina. No meio espírita, o Brasil é visto como a pátria do evangelho, aquele responsável por encabeçar uma revolução espiritual no planeta. E, apesar de o autor pensar em Américas, incluindo todo o Continente, as encarnações citadas ocorreram em dois dos principais países latino-americanos: México e Brasil. Não menos importante, o trabalho de Joanna, enquanto espírito desencarnado, voltou-se mais uma vez para o Brasil, auxiliando Divaldo Franco. Se, no cenário político mundano, a América Latina não assume um papel de protagonista global, ao menos para o cordelista José Olívio e muitos espíritas e umbandistas, essa região do globo possui uma relevância inolvidável.   

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Pegue-me se puder



Obs: Este texto é apenas um ensaio de resenha


História do Brasil Nação:1808-2010; Abertura para o Mundo 1889-1930; População e Sociedade (Schwarcz, Lilia, pg 35-83; Ed Objetiva e Fundación Mapfre, 2012)


     Entre 1889 e 1930, os trilhos da civilização assentavam-se nas regiões mais dinâmicas do Brasil. Os tempos urgiam e a locomotiva progressista ansiava passar. Os obstáculos precisavam ser removidos ou mesmo atropelados. Enveredando-se por esses trilhos nervosos, Lilia Schwarcz inicia o primeiro capítulo de História do Brasil Nação, volume 3, A Abertura para o Mundo. Ela se propõe a traçar um rico panorama da sociedade brasileira, a partir desse recorte temporal, valendo-se tanto de estudos bibliográficos como de fontes primárias.
      “Lilia Katri Moritz Schwarcz (São Paulo, 1957) é uma historiadora e antropóloga brasileira. É doutora em antropologia social pela Universidade de São Paulo e, atualmente, professora titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas[2] na mesma universidade. É autora de importantes obras como "Raça e diversidade" e "As Barbas do Imperador - Dom Pedro II, um monarca nos trópicos".[3] Também é fundadora da editora Companhia das Letras.  (https://pt.wikipedia.org/wiki/Lilia_Moritz_Schwarcz). ”
       O capítulo População e Sociedade está estruturado em sete subcapítulos, cada um enfocando um aspecto distinto da realidade social e seus variados atores, numa tentativa de ampla abrangência.
       Numa Babel de Povos Culturas e Cores, Lilia, logo nesse primeiro subtítulo, faz alusão à bíblica Torre de Babel, a fim de ilustrar o acentuado fenômeno imigratório que marcou o período e seus inerentes conflitos culturais, os quais se espalharam pelo país, mas concentraram-se, principalmente, na região sudeste, com destaque especial para a zona cafeeira de São Paulo. Segundo ela, os conflitos decorrem de múltiplos fatores desde as diversas línguas, permeando dicotomias tão geográficas quanto sócio-políticas (campo\cidade) até as expectativas frustradas dos imigrantes diante da precária realidade, em face das propagandas enganosas, capitaneadas, destacadamente, pelo governo paulista junto aos cafeicultores.
       “O Brasil Civiliza-se”: Urbanização e Crescimento: a partir desse segundo momento, a desenvolta autora percorre o caminho das muitas inovações tecno-científicas que ebuliam entre o final do séc. XIX e o início do séc. XX: telégrafo, locomotivas, navios a vapor, luz elétrica, descobertas da medicina, dentre outras. Inovações capazes de transformar profundamente realidades concretas e revolucionar hábitos cotidianos, nas palavras dela. Ainda assim, o alcance desse progresso é questionado do mesmo modo como o discurso que acompanhava cada descoberta, cada invenção. O discurso da civilização, do progresso inexorável, as hierarquizações sociais, as dicotomias, as inclusões excludentes e tudo mais.
            O foco desse subcapítulo é a trajetória das três cidades que compuseram o eixo econômico do sudeste: Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo. Uma capital reinventada, mimetizando a luminosa Paris; outra capital de Estado planejada e criada a partir do nada; e, finalmente, a locomotiva inchada que se via como a encarnação do progresso, aquela que arrastava atrás de si as regiões “atrasadas” do país. Apesar das peculiaridades de cada uma, todas elas estavam investidas do espírito do seu tempo, um tempo clamante por modernidade. Na contra-face desse espelho, um sertão rústico debatia-se desesperado por atenção.
         Movimentos Sociais: Sertanejos, Indígenas e Operários entre a Inclusão e a Exclusão - observando o outro lado da moeda, Schwarcz empreendeu uma visita aos sertões bravios da Primeira República brasileira. Sertões estranhos, por vezes, incompreensíveis. O empreendimento foi auxiliado pela pena aguda de Euclides da Cunha, autor consagrado de Os Sertões, testemunha ocular daquilo que ele denominou “massacre de Canudos”.
         Canudos representou a luta emblemática entre a República e os sertões, símbolos, respectivamente, de modernidade e atraso; cosmopolitismo e isolamento; o lado escuro da Lua, chamada Brasil; os variados projetos de república e de nação, com seus critérios de inclusão e exclusão. A autora explora também as revoltas do Contestado, ocorrida numa região entre o Paraná e Santa Catarina, além da revolta de Juazeiro, encabeçada pelo Padre Cícero, um líder daquilo que ela chamou de catolicismo rústico. Cada um desses movimentos, guardadas suas idiossincrasias, inserem-se num contexto de profunda pobreza e invisibilização social, alicerçada nas políticas excludentes da jovem República. Cada um, a seu modo, se utilizou de seu arcabouço religioso, a fim de mobilizar as massas e procurar soluções para seus problemas, sendo duramente reprimidos pela pátria madrasta.
           Não menos importantes foram as mobilizações grevistas pinceladas por Schwarcz. A ascensão do movimento anarquista, destacadamente da vertente anarcosindicalista, foi capaz de liderar inúmeras greves nas urbes em processo embrionário de industrialização. Os trabalhadores da nascente indústria brasileira, majoritariamente imigrantes, não obstante os muitos obstáculos culturais e linguísticos oriundos de sua heterogeneidade, foram capazes de se organizar, com suficiente coesão, para a defesa de pautas comuns.
          Depois de 1888: Populações Negras após a Abolição: Parafraseando o príncipe de Falconeri, na obra O Leopardo de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, declaro: Para que a exclusão permaneça igual, é preciso que tudo mude, é preciso o fim da escravidão. Para que um grupo social restrito permaneça no poder, é preciso que todo o regime mude. Provavelmente, Lilia assinaria embaixo, frisando as muitas permanências no período pós-abolição e pós-proclamação da República. Os negros constituíram uma grande massa de excluídos. Muitos vagaram como nômades ou seminômades nos sertões, devido ao medo de reescravização e a falta de noção de propriedade, propiciada pelos séculos de cativeiro, argumentos pertinentes evocados pela autora. As poucas famílias negras que ascenderam na esteira da escravidão entraram em declínio, igualadas aos recém-libertos. Por outro lado, os negros libertos corriam para as lojas de sapatos a fim de serem portadores daquilo que, para eles, simbolizava liberdade.
            Marginalizados de todo aquele banho civilizacional que tomava as principais cidades brasileiras, os negros passaram a viver em periferias, expulsos dos centros, socialmente higienizados. Dos cortiços às favelas, tudo muda, permanecendo o mesmo. Mas assim como não podemos olvidar as permanências, não podemos subestimar as mudanças: todo o rearranjo político-econômico além das inovações tecno-científicas. Se, por um lado, alguns autores consideram o alargamento da participação política na Primeira República insignificante, outros veem um fenômeno significativo. Brechas foram abertas e os negros organizaram-se para continuar a pleitear suas demandas históricas.
        Um Brasil Imigrante: Saberes, Odores e Hábitos Cruzados: Esse subtítulo é marcado pela História da Vida Privada, pela História Cultural. A imigração trouxe para o Brasil variadas nacionalidades, além de grupos distintos dentro de cada nação de origem. Tudo isso provocou inúmeros choques culturais e mal-entendidos, os quais já aconteciam, no interior desconfortável dos navios transatlânticos: uma maioria de italianos, espanhóis e portugueses, mesclada a alemães, japoneses, poloneses e outros.
          Os hábitos cotidianos,  como tomar banho e cozinhar, poderiam transformar-se em sérios problemas de vizinhança. Lilia ressalta o sentimento de superioridade que acompanhava esses imigrantes, em relação aos nacionais. Ainda assim, eles precisavam dos brasileiros para se adaptarem às novas condições de vida. A dura situação encontrada no Brasil, compartilhada por todos esses imigrantes e já conhecida das camadas pobres nacionais, foi a liga que permitiu a mobilização desses grupos sociais e a relativa sublimação desses conflitos iniciais.
           Indígenas e Ameríndios: Os Bárbaros (ainda) entre Nós: os indígenas, talvez, constituíam o que havia de mais dramático, no cenário nacional. Massacrados secularmente, esses povos não escaparam da mira dessa jovem República. A mesma República que exaltava essas populações originárias, em prosa romântica, era a República que, tal qual uma locomotiva “desgovernada”, intentava atropelar os obstáculos do seu progresso. A “primitiva” e resistente muralha caiaguangue  caia diante da feroz modernidade. Esse foi o símbolo de uma política de extermínio, empreendida pelo Estado e endossada por certos intelectuais. Duas vertentes ideológicas disputaram entre a aculturação ou o extermínio, sem nenhuma chance de pensar a autonomia ou os direitos indígenas, ao menos nesse primeiro momento.
             Profissionais Liberais e Operários na Terra do Favor: nas derradeiras páginas, Schwarcz apresenta o processo de diversificação e crescimento das camadas médias urbanas, bem como do número crescente de operários. Isso, em meio a uma terra do favor, ou seja, uma terra de hábitos clientelistas, paternalistas, coronelistas. Aquilo que se convencionou chamar de República oligárquica, uma República com cidadania restrita. Ainda assim, esses grupos emergentes, cada vez mais desligados das paternais raízes agrárias, passaram a ter suas próprias demandas, lutando por elas, driblando, na medida do possível, as limitações do sistema. Um sistema que, gradualmente, tomava novas feições, à sua revelia. 
           População e Sociedade: um capítulo que, sem dúvida, vale a pena ser lido e pode figurar nas leituras acadêmicas das disciplinas que abordem o Brasil da Primeira República. Lilia Schwarcz mostra-se uma autora experiente, com uma narrativa clara e coesa. A proposta de uma abordagem panorâmica parece bem sucedida, à medida que nos estimula a aprofundar as inúmeras questões tratadas, sem, no entanto, deixar de oferecer uma noção significativa sobre elas. A autora privilegia a História Social e isso fica nítido na bibliografia, onde constam quatro referências à História da Vida Privada, além de outras obras que iluminam esse viés. Além disso, ela vale-se de dados estatísticos do IBGE para embasar seus argumentos e de fontes primárias, como a obra Os Sertões de Euclides, charges da época e fotos.
               O Brasil queria fazer parte do seleto “clube dos civilizados” e tinha pressa. Schwarcz deixa claro esse processo de diversificação, crescimento, aceleração e por que não dizer, atropelamento. Um Brasil que, na ânsia de parecer novo, esquece deliberadamente velhos e graves problemas, resignifica-os, atropela-os. Um Brasil que parece aderir, antes, a um projeto de vitrine para o mundo do que  a um de  efetiva transformação. Mas o mundo dá volta camará e, assim, ela finaliza seu texto. A mudança para o bem ou para o mal, para a continuidade ou descontinuidade, talvez, seja a única certeza da História. O Brasil queria mudar de estação e rugia aos brasileiros: peguem-me se puderem!

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Intervencionismo norte-americano na América Latina



Ola galerinha independente, ingerente, autônoma e enxerida...

     As independências políticas latino-americanas não se traduziram em independência econômica. As dependências econômicas, aliadas às contradições internas de cada país, deram margem às diversas ingerências europeias e estadunidenses. Isso ocorreu em meio à corrida imperialista das potências do séc. XIX, que acreditavam na necessidade de expandir suas respectivas áreas de influência, a fim de garantirem posições relevantes no cenário internacional.
   Robert Smith analisa as variadas fases referentes à política exterior dos EUA, traçando, implicitamente, uma linha ascendente do intervencionismo norte-americano em termos quantitativos e de intensidade.
      A ilha de Cuba parece ser o caso mais notório. A ideia de um espaço vital para os interesses norte-americanos foi sedimentada, gradualmente, no seio e nas adjacências do governo. Os temores em relação aos imperialistas europeus, que colocariam em risco a segurança estadunidense, com ênfase nos alemães, os quais ampliavam sua ingerência político-econômico-militar na América Latina, criavam pressões internas e externas para os EUA assumirem um papel intervencionista. Assim, a força crescente dessas ideias se materializou numa intervenção ostensiva e duradoura na ilha cubana. Sob o discurso de proteger a República caribenha recém-formada, foi instituído um governo militar controlado por Washington. Uma parte significativa dos engenhos de açúcar também estava nas mãos norte-americanas. Desse modo, foi criada uma espécie de Estado tutelado, fato institucionalizado pela Emenda Platt, e que teria desdobramentos nas ações subsequentes do governo americano em toda Latino-América.
     O documentário de Oliver Stone aborda a virada política latino-americana mais à esquerda, a partir da segunda metade do séc. XX, fenômeno que teria se iniciado com a Revolução Cubana e teria se expandido por todo o Continente. No bojo dessas tendências esquerdistas, estava a busca de afirmação identitária, a luta contra o imperialismo, a partir de uma integração latino-americana, que fizesse frente aos todo poderosos EUA. A ascensão desses governos à esquerda demonstraria uma forte reação às políticas externas, adotadas pelas potências mundiais, por décadas a fio. Uma crescente insatisfação das camadas populares de cada país associada a sua também crescente capacidade de organização política e mobilização ajudam a compreender esse quadro.

      Hoje, toda essa onda latino-americana reverbera no centro do Império: Estados Unidos. E mesmo todo o poder midiático não foi capaz de impedir essa intervenção de ideias, traduzidas em ações concretas dos países Latino-Americanos, no seio daquela nação que se achou com direito de tomar, somente para si, o nome América.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Preconceito, preconceito meu, existe alguém mais preconceituoso do que... eu¿




     Falar de preconceito virou moda. Falar, na verdade, contra o preconceito, bradar o mais alto possível, a fim de eliminá-lo de uma vez da face sofrida da Terra! Todos se acautelam de se dizerem preconceituosos: preconceituoso eu¿ Jamais! Existe o policiamento vocabular, o império do politicamente correto, a polidez, o verniz da civilização! Aquele brilho cínico estampado em sorrisos educados; aquela atmosfera morna que percorre os salões das mais requintadas festas, das conferências, dos congressos. Preconceituoso você¿ A não ser que encarne o Deus onisciente...Sim, sim, sim!
     Segundo o dicionário Houaiss, preconceito é: “1 qualquer opinião ou sentimento concebido sem exame crítico 1.1 ideia, opinião ou  sentimento desfavorável formado sem conhecimento abalizado, ponderação ou razão 2 sentimento hostil, assumido em consequência da generalização apressada de uma experiência pessoal ou imposta pelo meio; intolerância (...)”.
      Ora, a ignorância é a essência própria do preconceito, é sua razão de ser tal como é. Fala-se muito em tipos específicos de preconceito: contra negros, mulheres, pobres, LGBTS e religiosos. Porém, esquecem a diversidade de preconceitos que abarcam ou podem abarcar tudo e todos, cada grão daquilo chamado realidade. Desse modo, ouso complementar o Houaiss, sinalizando que nem todo preconceito encarna uma negativação, contudo seu cerne encontra-se na invariável distorção apresentada por ele.
      Cada vez que nos deparamos com um novo objeto, um novo evento, um novo dado da realidade, nos apressamos em decodificá-lo da melhor maneira possível, utilizando nossos referenciais do passado e todo arcabouço que seja viável empregar num curto espaço de tempo. A eficiência desse processo pode ser vital em certas situações e irrelevante, a curto prazo, em muitas outras. E a partir daí podemos rastrear o verdadeiro problema. O preconceito sempre foi e será inerente à vida humana, assim como as limitações do conhecimento são cada vez mais colossais, à medida que esse conhecimento avança. Por isso, a problemática não está nas apressadas ideias pré-concebidas que fazemos do real e, sim, no enraizamento dessas conclusões necessariamente distorcidas e superficiais.
      Muitas vezes confunde-se o preconceito com o ato discriminatório, este, sim, intolerável e passível de erradicação. A discriminação, enquanto ação, não poderá materializar-se, caso seja precedida de um mínimo de reflexão. A tal ponderação e razão apontadas pelo Houaiss. Lembrar aquela estória de dois ouvidos e uma boca; contar até dez, até mil; respirar fundo e exercer essa fascinante habilidade denominada: pensar.

        Se formos penetrar mais fundo na dicotomia conhecimento\ignorância, será forçoso reconhecer a inexorabilidade da distorção, enquanto uma condição humana de enxergar a realidade. No entanto, ainda que as trevas estejam presentes a cada ponto de luz acendido, não podemos olvidar os efeitos dessa iluminação na nossa capacidade de ver melhor o mundo, de transitar nele e estruturá-lo mais satisfatoriamente. Nesse sentido, o foco do nosso combate deveria ser o comodismo, a passividade, a inflexibilidade diante do mundo, diante do novo. Reacendamos o dinamismo próprio do ser humano. Dínamo que é força, que é alma, que é vida! A curiosidade, a sede insaciável pelo conhecimento. Assim, estaremos sempre nos deslocando para longe dessa superfície preconceituosa, mas talvez nunca cheguemos ao fundo da “toca do coelho”.

domingo, 6 de setembro de 2015

O Imperativo da Sabotagem



Olá galerinha do venha a mim o vosso reino e seja feita essa nossa vontade assim, apenas na vossa terra,


     Tomando como exemplo, os processos de independência nas Américas, nomeadamente, Brasil e Estados Unidos, algo, no mínimo, curioso salta aos olhos. Existe por parte das respectivas metrópoles, Portugal e Inglaterra, um recrudescimento das leis referentes às suas colônias, no momento em que ideias autonomistas, pululam nesses espaços americanos, sejam as leis do Selo e do Chá da segunda metade do século XVIII, além do envio de tropas inglesas para as Treze Colônias, seja a tentativa por parte das Cortes portuguesas de anular o novo estatuto de Reino do Brasil, no início do século XIX.
    Essas atitudes metropolitanas parecem óbvias e, de certa forma, o são, uma vez que havia a vontade em manter a lucrativa colonização e não existia a possibilidade de admitir uma concorrência com as próprias colônias, muito menos uma inversão de papéis. No entanto, a Inglaterra, pioneira da industrialização, propagadora dos valores liberais, na esteira do iluminismo, assume uma posição de bastião do arcaísmo, quando o assunto diz respeito a sua colônia, com medidas protecionistas, monopolistas e autoritárias.
     Em Portugal, ocorreu situação semelhante. Após as invasões napoleônicas e sua consequente transferência (fuga) da família real para o Rio de Janeiro, os súditos da metrópole sentiram-se ultrajados por tornarem-se periferia do império e ansiaram pela reversão desse quadro. Embebida pelos valores liberais, a Revolução do Porto (1820) convocou as Cortes de Portugal que logo se transformaram Assembleia Constituinte, seguindo o exemplo recente da Espanha. E foi, exatamente, nessa Assembleia de cunho liberal, que os deputados lusitanos insistiram na reestruturação do exclusivo colonial entre outras medidas arcaizantes, sendo intransigentes com as propostas autonomistas dos delegados brasileiros.
     Apenas a título de reforço, a primeira Constituição francesa de 1791, em plena Revolução, proclamadora da igualdade civil, supressora dos privilégios nobiliárquicos e das ordens sociais, aquela que nacionalizou os bens da Igreja e aboliu a servidão, foi a mesma capaz de manter a escravidão nas suas colônias, sendo a França pré-revolucionária e absolutista um apoio fundamental para a Independência dos Estados Unidos. O governo da Convenção jacobina ousou remar na direção contrária, abolindo a escravidão colonial, porém sua duração foi curta. Contudo, essa mesmíssima Convenção instituiu o Terror, guilhotinou líderes populares, afastando o apoio dos sans-cullotes. Quantos jogos de interesses, quantas lutas internas e externas!...
      É interessante notar o grau acentuado de sectarismo nas diferentes sociedades, inclusive no interior delas. Nesses casos, sumariamente exemplificados, observam-se dois processos contrários, mas, aparentemente, vistos como complementares pelos seus protagonistas. As lutas pelas liberdades em vários âmbitos, incluindo o comercial, acompanham as lutas pela dominação, pela castração, pela possibilidade de exploração colonial, pelo imperialismo. Tudo isso ocorre sem o menor senso de empatia ou de “contraditoriedade” daqueles que encampam tais projetos. Seria como se existisse um pressuposto: a prosperidade alheia ameaça a minha prosperidade e, por isso, devo impedi-lo a todo custo, hegemonizando meus interesses acima dos deles.
   Esse pressuposto da escassez, da mesquinhez, orientou, notadamente, os Estados Unidos, após sua ascensão global. E assim eles fizeram aos outros países, justamente, aquilo que não queriam que a Inglaterra tivesse feito a eles: intervenção no próprio Brasil, no Panamá, Nicarágua, Chile, México, Vietnã, Iraque etc. Até o Brasil teve, também, seus ímpetos imperialistas. Não surpreende que as tão publicizadas ajudas internacionais, muitas vezes, não passam de maneiras maquiadas, a fim de criarem dependências, não importando mais o controle territorial direto. Será tão produtivo angariar tantos esforços contra nós mesmos¿ Vivemos em quantos planetas¿ Fazemos parte de quantas espécies¿

Espero que tenham curtido e até o próximo post!

Abraços!      

O Sistema da Dívida: Vídeo de utilidade pública!

https://www.youtube.com/watch?v=yUpVQu9WHyQ

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Ilumishima Ilumosaki



Olá galerinha Aliada e galerinha do Eixo e do desleixo,

      No dia 6 de agosto de 1945, ocorreu o coroamento das atrocidades iniciadas em 1939, talvez em 1914, ou, quem sabe, desde tempos imemoriais. A Guerra que encarnou a parte mais horrenda da noção de desrazão, pareceu devastar não somente territórios como o próprio ideário iluminista. O mesmo Iluminismo, o qual abrilhantou uma Europa setecentista, permeou revoluções, aflorou pensamentos liberais, democráticos e socialistas, terminou por explodir nos descaminhos dessa Guerra. O clímax do conhecimento científico aplicado da maneira mais baixa possível. Nesse ínterim, ordem e progresso foram duramente questionados, assim como os alardeados benefícios da tecnologia industrial.
    A teoria da relatividade geral (1915), que balançou os alicerces da Física, gradativamente, envolveu as ciências humanas, fosse alargando pontos de vista, fosse flertando com o niilismo. Todo o progresso relativizava-se e, para muitos, perdia o sentido. O conceito de práxis utilizado por Paulo Freire parece ser bastante pertinente nesse caso. A experiência reflete o pensamento humano, assim como este reflete a experiência. Ainda que muitas teorias sejam formuladas no interior alienante dos gabinetes, bibliotecas ou escritórios, as experiências cotidianas não deixam de testá-las, contestá-las, revisá-las ou subvertê-las. Nesse caso, a experiência traumática da Segunda Guerra, seguida de perto pela ferida ainda aberta da Primeira, promoveu a ascensão de ideias que consolidariam os pós-modernismos, no final do século XX.

      A crença na razão, na ciência como depositária da verdade e do progresso, advindo de ambas, foi seriamente afetada a partir desses anos beligerantes, recheados de insanidade, justamente, quando a ciência foi apropriada pelas nações imperialistas a fim de alcançar seus objetivos torpes. Mesmo assim, o Iluminismo continua a destilar-se nos nossos dias. Os cacos de seu pensamento universalista ainda possuem a chance de brilhar, caso aqueles que os recolham estejam dispostos à flexibilização. Afinal, intransigências de tipo positivista não cabem mais a essa humanidade pós-Guerra, pós-século XX, para a qual a ciência reserva um futuro tão extraordinário quanto incerto.


Espero que tenham curtido e até o próximo post!

Abraços!

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

A Fraternidade para além da Direita e da Esquerda



Olá galerinha do bem e do mal, direitinha e sinistra...


     Hoje, pretendo escrever um breve ensaio amador, a fim de estabelecer parâmetros rudimentares, na tentativa de fazer emergir um pensamento não enquadrado nas categorias de direita e esquerda, sem, contudo, deixar de relacionar-se com ambas. Tudo isso com vistas em desenvolvimentos futuros, a partir de leituras mais aprofundadas.
    A grosso modo, a ideia de direita e esquerda aparece de maneira mais nítida no decorrer da Revolução Francesa (1789-1799), com girondinos sentando à direita na câmara, jacobinos à esquerda e o chamado pântano, ao centro. Sendo os primeiros, desejosos de moderação política; os segundos, ansiosos pela radicalização da revolução, com ampla participação popular; os terceiros, pendendo ora para um lado, ora para o outro, sem se definirem.
     Caminhando dois séculos adiante, percebemos que alcunhas como conservadores, monarquistas, liberais, neoliberais, burgueses e capitalistas são atribuídas à direita; enquanto socialistas, comunistas, anarquistas, sindicalistas e socialdemocratas, à esquerda. A partir desse dualismo, lutas virulentas são travadas pelos defensores de cada lado, muitas vezes, sem espaço nenhum para um diálogo, já que cada um arroga para si o monopólio da verdade, transformando debates em agressões verbais e, até mesmo, físicas. Geralmente, ambos sequer dominam o arcabouço teórico que defendem e muito menos se dão o trabalho de conhecer a fundo o arcabouço teórico opositor.
     Particularmente, sou seduzido por discursos oriundos dos dois lados, entretanto, existe algo neles que me incomoda.  Para evitar, justamente, o dito pântano, elenquei quatro características marcantes em cada corrente, as quais parecem ser o principal alvo de ataque por parte dos detratores da direita ou da esquerda. São elas: o individualismo, o conservadorismo, o religiosismo e a violência pela direita; o coletivismo, o relativismo, o materialismo e, igualmente, a violência pela esquerda.
    Abordarei, agora, sumariamente, o sentido negativado desses oito caracteres. O individualismo aparece como base estruturante do pensamento liberal clássico em figuras notórias: John Locke, Adam Smith, Ricardo e outros. O ponto chave de tensão seria o egocentrismo subjacente, gerando um sistema propagador do egoísmo, o qual envenena as relações sociais, no momento em que inviabiliza a solidariedade e o sentimento de compaixão que a precede. Os interesses pessoais tornam-se intransigentemente centrais, afetando desde o plano micro ao macro, com força: classismos, imperialismos, corporativismos, etnocentrismo e afins são exemplos da ação egoística cujos resultados nocivos são bem conhecidos.
     O conservadorismo do pensamento entrava o enriquecimento intelectual, cultural e tecnológico. Existe aí uma rigidez, uma intransigência em reconhecer a complexidade da vida e seus tons de cinza, algemando tudo ao seu preto e branco. Existe um apego ingênuo às virtudes da tradição, um receio quase patológico, em relação ao novo. Certezas são cristalizadas e, de cristais, passam a tábuas de salvação apodrecidas num mar de incertezas. No fim, resta apenas a estagnação, o imobilismo e a violência utilizada para evitar a inexorável mudança.
    O religiosismo, nesse caso, é praticamente sinônimo de dogmatismo. Mas, por que não dizer mitificação do discurso religioso assim como daqueles que o proferem? Mitificação dos livros sagrados que impedem a crítica, a autocrítica, a contextualização. Interpretações literais e ou convenientes de trechos bíblicos. Visão fragmentada com pretensões totalizantes. Isso gera empobrecimento intelectual, suscetibilidade à manipulação e à violência justificada.
      A violência, por seu turno, parece permear tudo, assim como a tudo corrompe, ao mesmo tempo, justifica-se das mais variadas formas, algumas delas, beirando o completo delírio. Do lado direito, ela constitui-se guardiã do “establishment”, envernizada pelo Direito, aureolada pelas coroas das autoridades instituídas, empunha na mão direita a afiada espada da moral e dos bons costumes e está sempre disposta a abdicar das boas maneiras a fim de defendê-las. Já a mão esquerda esconde um sorrateiro punhal, pronto para golpear, seja pela frente ou pelas costas, os terríveis inimigos da revolução. A esquerda conclama “todos os seus” (sic) à guerra para estabelecer seu mundo de paz. O punhal que arrancará aquela mão empunhando a espada. Assim, a violência à esquerda é vista como um mal necessário a fim de atingir um bem maior. Ou, talvez, nem mal seja, já que seus alvos são legitimados pelos objetivos. A mesma violência que mantém o “establishment” seria canalizada para destruí-lo. Teoricamente, parece possível, mas como já disse alguém: na prática, a teoria é outra. E muitas práticas foram irremediavelmente desastrosas: União Soviética e China, para citar duas.
    A violência alimenta-se de si, por isso, tentar destruí-la com mais dela mesma é, no mínimo, equivocado. Engana-se quem acredita poder controlar a violência em larga escala, dirigi-la, direcioná-la por muito tempo. Talvez seja possível por pouco tempo, porém, uma vez que a faísca atinge o barril, todas as cabeças podem explodir ou rolar... e rolam... Robespierre que o diga... Mas, para além das questões de controle e direcionamento, existe a questão espiritual e, por que não dizer, psicológica. A violência é matriz de múltiplos desequilíbrios e, quando está exacerbada, a monstruosidade predomina; a insanidade torna-se lei. Não é à toa que nossa sociedade padece enferma, tendo a violência como viga- mestra.
    O coletivismo tem como principal problema, a invisibilização do indivíduo. A dissolução da individualidade. Para Marx, o indivíduo seria apenas uma abstração e o homem só se efetivaria em relação com os outros, ou seja, a sociedade precederia o indivíduo, inversamente ao que os liberais clássicos e seus contratos sociais preconizavam.
     Os seres humanos não existem isolados do mundo de relações, no entanto, não se resumem as próprias relações em si mesmas, existe espaço para um eu pulsar. Talvez não independência, mas, sim, a autonomia, a interdependência a qual difere, inclusive, da dependência passiva. O meio, sem dúvida, exerce influência, mas não uma influência determinista. A iniciativa individual, pode sim ser um contraponto ao meio e sua estrutura sufocante. Ainda que essa iniciativa aconteça num contexto relacional, isso não anula a fonte de onde ela emana. A partir disso, há espaço para o exercício do arbítrio, assim como para suas consequentes responsabilizações. O meio pode até ser um atenuante, mas não um neutralizador das responsabilidades, salvo em situações extremas, como nos casos de crianças que nascem sob o signo da guerra ou da tortura. E, mesmo nessas situações, há aqueles capazes de nos surpreender positivamente.
     O relativismo flerta progressivamente com o niilismo. Uma dança surreal onde o tudo e o nada figuram na mesma moeda; são carne da mesma carne; são um rodopio surdo, mudo, sem cor, sem odor e, até mesmo, sem movimento. E, no momento em que tentamos apreendê-lo, já não são mais, nem podem ser algo mais. Enxergar os tons de cinza foi uma tarefa nobre, todavia, destituir o colorido de toda cor possível foi um perigoso exagero. Assim, já não haveria nada para ver... para estudar... ou mesmo, para viver...
      O materialismo, na sua sanha em combater as incoerências do religiosismo, foi ao ponto em que o sentido da vida deixou de fazer sentido. O motor da vida humana é a transcendência por natureza. Viver apenas para a vida terrena pode constituir-se um beijo mortal com o relativismo, corroendo não só a civilização como a sociedade. Ironicamente, o materialismo possui fortes tendências individualistas, além de desencorajar empreendimentos de longo prazo. Nele, o hedonismo do carpe diem pode fincar raízes profundas...
    Dito isso, proponho quatro contrapontos às tendências direitistas e esquerdistas, de modo a embasar uma maneira alternativa de pensar e instrumentalizar, a posteriori, uma crítica consistente a essas duas matrizes do pensamento ocidental: o indivíduo-nexus, a flexibilização, a espiritualização e a caritação. 
     O conceito de indíviduo-nexus abarca a noção de coletividade e suas relações sociais, sem perder de vista a individualidade, a autonomia individual e a consequente responsabilização pelos seus atos, assim como a possibilidade de ser sujeito da história e não sujeito à história. O Ser precede a própria sociedade e manifesta-se mesmo sem entreter relações diretas com a mesma. Contudo, esse Ser está, desde o nascimento, inexoravelmente interconectado a tudo e a todos. É um ser relacional e relacionado por natureza. Por isso, a autossuficiência não passa de ilusão, sendo a cooperação, a solidariedade e a compaixão imperativos para a construção de uma sociedade sadia. Nexu é conexão em latim, logo indivíduo-nexus é o indíviduo conectado ao universo por excelência, da maneira mais profunda possível.
    A palavra flexibilizar significa tornar-se menos rígido, mais maleável, elástico. A flexibilização permite a relativização moderada, sem descambar no niilismo destruidor. Ela também incorpora a virtude da rigidez: a estabilidade, sem a qual nada se constrói e civilização alguma se ergue. Isso sem se deter num imobilismo castrador. Flexibilizar é enxergar os tons de cinza, mas, também, reconhecer a existência do preto e do branco; reconhecer a objetividade da realidade, mesmo que esta seja difícil de apreender ou, talvez,  até impossível em sua plenitude. Afinal, não somos deuses oniscientes.
     Espiritualizar significa dedicar-se às coisas da alma ou do espírito. Significa enxergar o mundo e enxergar-se no mundo como um ser espiritual em trânsito. Espiritualizar é mudar a perspectiva, tendo como horizonte a eternidade, como meta contínua, o aprender reticente. Espiritualização é a conexão estabelecida com o Universo, através de um laço de amor. O longo prazo passa a ser bem-vindo, sem os medos infernais, os moralismos hipócritas ou o vazio desolador. Tudo é um processo interno, intransferível, sem intermédios de sacerdotes ricamente paramentados.
    Caritação foi mais um neologismo, oriundo da palavra latina caritate fundida com a palavra ação. A caridade é a disposição à benevolência, à compaixão, ao amor. A caritação é a caridade enquanto instrumento de ação. Essa disposição seria posta a serviço dos outros e de nós mesmos. A caridade enquanto  estilo de vida; enquanto ações individuais e coletivas. Nada de assistencialismo puro e frio. O verdadeiro amor é aquele capaz de nos libertar, para que saiamos da dependência em direção à interdependência autônoma e consciente. Assim como a violência, o amor alimenta-se de si e converte tudo que toca em si mesmo, inclusive a violência.
   O poder desejado pelo lendário rei frígio, Midas, é como o Eldolrado conquistado a partir da violência. Ainda que tudo vire ouro, esse ouro acompanha uma maldição a qual devora nossos bens mais preciosos (o rei perde sua filha Phoebe transformada em ouro). O amor é a fonte do rio Pactolo que converte toda maldição da violência em areia dourada e nos lava de nós mesmos...

   Obs: Quanto à instituição da propriedade privada, do ponto de vista espiritual, soa bastante esquisita, uma vez que levamos apenas aquilo que somos (um valor inestimável). E, em relação a ter um Estado controlador e equalizador, também não parece um cenário libertador. Ainda do ponto de vista espiritual, somos uma espécie de usuários da Terra, jamais donos ipsis litteris. Apesar disso, a abolição da propriedade privada demanda a emergência de uma mentalidade fraterna entre os seres humanos. Sem ela, o ego travestido de boas intenções sempre ocupará um lugar perigosamente central.


Espero que tenham gostado e até o próximo post!

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Happy Meio Século!



Olá galerinha do bem e do mal,


      5.000 anos cabem em 50? Talvez como 50 espremeram-se para caber em 5. Mas, no breve século XX cabe tudo e mais alguma coisa. 
     O princípio da incerteza propagou-se antes e após 1927, dispersando a linearidade do mundo, enquanto substituía nossos globos oculares monocromáticos por  coloridos e psicodélicos caleidoscópios. Mesmo assim, nem tudo muda com o tempo ou como o vento, como o raio...ah muda, mas nem tanto ou nem quanto. Quando a entropia do sistema aumenta, precisa rapidamente ser enquadrada, as cores ordenadas; e selecionadas apenas aquelas passíveis de atingir nossas  frágeis retinas para não danificar a fonte de sua projeção iluminada: a tela.
     Parabéns pra você ao entoar que prefere ser uma metamorfose ambulante, cristalizando no romper dos anos o hoje, o novo tempo de um novo dia que já chegou; as lagoas azuis sem cor; as zorras totais e absolutas de sábado. E vendo você, um gigante de meia idade, transbordando vitalidade é realmente fantástico, fato incontornável. Mesmo assim, fantasticamente, acordes Gilbérticos e Caetânicos, contornam a atmosfera dos seus estúdios, festejando festa deles que se faz sua, porque o fazem onde você é.
       E claro, não poderia deixar de notar a contribuição historiográfica do brother Bial. Um fato auto evidente: anos rebeldes praticamente pintaram as caras dos caras, um passo decisivo no caminho democrático. Assim,o nome parece ser Globo, porém em mais uma exceção da língua, escreve-se Goebbels, talvez, afinal a incerteza paira em tempos relativos. Não sei se me vejo por aqui ou se nos vemos por ali. A tela continua brilhante. O texto as vezes, cativante, são 50 anos. Apesar de tudo e contra tudo, eu tiro meu chapéu que não uso e bato palmas num forte PLIM, PLIM!

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Sessão Nostalgia Desmemorada 9



27 de setembro de 2012

ELEIÇÕES 2012
SALVADOR SITIADA

      Pelegrinando pela ACM percebi uma Estrela no horizonte. Um sinistro brilho vermelho se destacava no céu, pressagiando infindável sexta-feira 13... Sob as borras de asfalto da avenida, forças DEMoníacas se alvoroçavam para ressurgir no palco que julgavam lhes pertencer. Lá em baixo, o Neto de um certo Farquaad estudava estratégias para reconquistar "seu" trono e enviar as incômodas
criaturas mágicas para os pântanos dos "infelizes para sempre" antes que o Gigante apareça e grite: " DO RÉ FIFA! Sinto cheiro de pobreza". Enquanto isso, uma revoada de tucanos de rapina tentava, em vão, ofuscar o brilho da estrela. Restava às aves de bico afiado esperar como abutres o que restaria da agonizante cidade, tão semelhante ao Salvador na cruz.

Sessão Nostalgia Desmemorada 8



23 de dezembro de 2011

Muitos Sinos, Muitos Tons

Hoje a noite é Bela

     Hoje, ontem, sempre. Mesmo com nuvens, chuvas ou tempestades, as estrelas continuam a brilhar acima delas na abóboda da maior das capelas. Enxergamos pequenos, aqueles que são os grandes faróis divinos. A luz que acende o olhar e vem para acender e mostrar o amor que a gente não via. É... incrível, mas 2000 mil anos foram insuficientes para retirarmos o argueiro de nossos olhos. Por que reparas tu no argueiro do olho do próximo? Hipócrita! Liberte sua mente do que a mentira contou.
     Então é natal, a festa cristã, além das religiões. Uma noite feliz. O Deus de Amor foi representado pela mais ilustre das figuras humanas ou talvez a única nascida plenamente humana, infatigável na missão de ensinar: Ser humano é amar o ser humano, simplesmente sendo humano como Eu Sou a Paz invadindo seu coração. Contudo, assim caminha a humanidade com passos de formiga e sem vontade. Humanidade desumana, humanidade dos bacanas. Palácios de ouro erguidos sobre as misérias humanas. 
     Mas eu só quero um amor que acabe o meu sofrer. Um amor que não se acabe. Infinito como Deus, só vindo Dele mesmo. O único capaz de preencher meu infinito particular que é só mistério, não tem segredo. Venha não tenha medo. Mergulhe dentro de si para ver nascer: um novo eu, sem meus, tu ou eles, apenas nós. Um eu sem fronteiras. Com D de divino. Deus dos céus das nossas mentes, Deus das terras em nossos corações. Semeador de flores cuja beleza os olhos do corpo não podem apreciar, assim como seu inefável perfume... só no íntimo da alma o sentimos exalar. Semeei no espírito de todos essa primavera. O Amor de Deus sempre nos espera. Depois do inverno, a vida em cores, me espere Amor, nossa temporada das flores.
     Às vezes no silêncio da noite, eu fico aqui sonhando acordado, querendo um amor maior que eu. Um amor que entre na minha casa, na minha vida, mexa todas as estruturas e sare todas as feridas. Sei que meu coração bate feliz quando Te ver, porque eu sei que é amor e não peço nenhuma prova, porque eu sei que é amor. Mas quando Te vejo se não És visível? Alguma coisa acontece no meu coração... Deus invisível, Deus sem forma, seria uma mera abstração? Queria abstrair essa dúvida, queria que essa fantasia fosse eterna, que a paz vença a guerra e viver seja só festejar.
     E a vida? E a vida o que é diga lá meu irmão? Ela é a batida de um coraçãozinho. De um coração que bate por todos nós. A batida que da o tom da vida. O tom permeado pela harmonia celeste. Um canto de esperança no choro de uma criança que insiste em nascer na escuridão das grutas de nossas almas, duras como pedras. Seu olhar são dois faróis, indicando o caminho da Luz maior e nas suas mãos trás dois pequenos sinos. Bate o sino pequenino, sino de Belém, já nasceu Jesus menino para o nosso bem. Ecoa o sino nas paredes das grutas alegre a cantar. As pedras viram cristais transparentes, e ao olhar o céu, vislumbramos nosso Lar.

FELIZ NATAL! HO! HO! HO!

     A LIÇÃO DO BOM VELHINHO FOI A DOAÇÃO DE SI PELO OUTRO, SEGUINDO O EXEMPLO DO MESTRE NAZARENO! LEMBREMOS DISSO ANTES DO ATO, POR VEZES MECÂNICO, DE COMPRAR OS PRESENTES!

ATÉ O PRÓXIMO POST! JINGLE BELLS!

Sessão Nostalgia Desmemorada 7



19 de dezembro de 2011

Juvany Viana
Juvany
Formação: Relações Humanas

     Alfabetização, ensino fundamental, primeiro, segundo grau. Graduação, pós, mestrado, doutorado... Quantos títulos são indispensáveis a formação humana? Quantos doutores são necessários para ensinar uma pessoa a ser humana? Doutor psicólogo (estudioso da mente), doutor sociólogo (estudioso da sociedade)  ou talvez o doutor médico, especializado no órgão cardíaco (entendedor do sentimento humano?). Hipócritas! Sepulcros caiados, diria o Mestre nazareno. Ricamente ornamentados  por fora com suas intelectualidades e vazios ou podres por dentro.
     O mero acúmulo de conteúdo livresco, por maior que seja, parece, sempre precário quando objetiva a humanização das pessoas: a consciência e consequente valorização de si e do outro. A professora leiga, Juvany Viana ilustra essa ideia magistralmente. Como e onde obter as habilidades e disposições internas que permitem-na um êxito tão grandioso apesar de todas as dificuldades ameaçando seu trabalho? Não nas instituições oficiais do saber: escolas e universidades, podadoras da criatividade, iniciativa e força de vontade. Instituições cuja organização é elaborada para o deleite de seus dirigentes em detrimento da maioria de seus integrantes. Organização que cria nos entes organizados um sentimento de repulsa pela forma estabelecida, regulamentando uma lógica insensata.
     Soa-nos óbvio o ditado: " só se aprende a escrever, escrevendo". Contudo, por que seria menos evidente que só se aprende a ser gente, promovendo relações entre gente? Por que enxergar como única solução as leituras enclausuradas nos quartos, gabinetes e escritórios? Por que asfixiar dias inteiros em salas de aulas?
     As escolas pregam união e nos separam rigidamente em séries, notas, turnos, disciplinas, entre outras com pouca ou nenhuma chance de re-união (as leis deveriam servir aos homens e não os homens às leis). As escolas pregam cidadania, mas seus alunos são sistematicamente excluídos dos processos decisórios. As escolas pregam inclusão e expulsam todos os "alunos-problema" ou são indiferentes a eles com sua política de não reprovação. As escolas vivem uma mentira conveniente, fingindo um papel que não exercem e exigindo uma convicção que não têm. O exemplo é o fundamento de uma cobrança consistente sem o qual restam apenas hipocrisias, no mínimo, contestáveis.
     Generalizações a parte, encontramos pessoas e até instituições sinceras consigo mesmas e convictas da viabilidade de seus sonhos. Juvany nos dá uma receita aparentemente subjetiva, porém com efeitos muito mais palpáveis que o rigor sintático dos nossos regimentos poderiam produzir: o amor.
     O amor a faz levantar quatro horas da manhã para garantir a preparação da merenda. O amor permite satisfação em ambientes insatisfatórios: aulas embaixo de um coqueiro com assentos feitos de tábuas e latas. O mesmo amor impele a gastar o pouco dinheiro ganho na compra dos materiais escolares para os estudantes. O amor a impede de esmorecer diante das dificuldades em Matemática e da ausência de uma pessoa capaz de assisti-la. Um amor lento nas recompensas materiais ( vinte anos para construção do sonhado prédio), mas pródigo em demonstrações de carinho por aqueles que são os principais beneficiados: os estudantes.
     Juvany é convicta da importância do seu trabalho, coerente nas suas ações quando confrontadas com seu discurso, transmitindo uma sinceridade contagiante. Ela vive uma verdade, manifestada na construção conjunta de uma realidade que ela acredita ser possível criar.
     O ser humano é um observador por excelência. Não passivo, mas ativo, concentrado, reflexivo, reinterpretativo, reformulador da realidade a partir dos variados pontos de vista, capazes de gerar novas vistas em diferentes pontos. A vida é a escola do Ser integral e seus grandes doutores são aqueles que simplesmente são (a simplicidade é o máximo da sofisticação). São amorosos, criativos, comunicativos, divertidos, desapegados...
     Observar é uma das formas de aprender. Tentar imitar é um modo de resignificar as práticas de outrem, adequando a sua realidade. A capacidade de amar sempre mais é a prova do aprendizado. O amor recebido transforma-se no melhor dos diplomas, porque ser professor é amar observar o aprender contínuo do outro. Aprender a amar é aprender a Ser e quem aprende a Ser esta sempre disposto a aprender com tudo e com todos.
     Portanto, aprendamos com Juvany e com milhares de outros doutores anônimos, necessitados apenas, de uma observação atenta de nossa parte.Quantos holofotes em torno de estrelas apagadas, enquanto sóis de primeira grandeza brilham despercebidos!

Até o próximo post!

Sessão Nostalgia Desmemorada 6



8 de novembro de 2011

PENSAMENTOS DIFUSOS...CONFUSOS?
Não espere em Deus!

Nada que Deus possa lhe dar o fará feliz.

A realização dos seus desejos e aspirações não constituem felicidade. No máximo trarão alegrias ou euforias momentâneas, efêmeras.

Deus não pode fazê-lo feliz.

Deus não tem obrigação de fazer ninguém feliz, nem Deus, nem ninguém.

Quem vive de expectativa está destinado à frustração.

Ninguém está aqui para corresponder às expectativas de ninguém.

Ao permitir que o outro Seja, nos permitimos ser surpreendidos.

Tentar ser melhor é a base do erro, pois pressupõe que seu Ser não é bom o suficiente além do fato de que quem tenta se melhorar mal conhece quem realmente é.
Sentir que você é o que é, não é uma tentativa e sim uma visão de perspectiva interna.

Não precisamos chegar lá. Já estamos no único lugar que podemos estar. Aqui!

Uma vida previsível não pode ser surpreendente.

Deus é uma visão de mundo perfeito.

Se você pede coisas a um Deus  distante no céu, então vive numa Terra sem Deus.

Não peça a Deus para melhorar o mundo que você vê. Veja o mundo com os olhos de Deus...

A crença em Deus sozinha sem a experiência direta extra-físico-intelectiva só serve para criar conflitos entre deuses-mentais, quando ignoram o Deus-Realidade.

Conhecer Deus é divinizar a realidade humana.

A fé não deve ser buscada e sim entendida além das fronteiras da mente.

Mais importante do que o que você acredita é o porquê você acredita.

Perguntar quem é Deus é apenas um modo de perguntar quem é você.

O amor dispensa regras e convenções humanas. Não se prende a gestos, palavras ou formas. Não está certo nem errado. Apenas o amar torna o amor inteligível

Amar é esquecer os conceitos sobre amor e sentir a vida vibrar.

Amar é ouvir tudo que é vivo cantando em uníssono. É juntar-se a esse canto que chamamos Vida. É perceber porque estar vivo configura o maior dom de Deus.

O amor não vai fazê-lo feliz!

Amar é ser feliz, porque Deus deixa de ser Alguém a conduzir ou tentar melhora a sua vida e passa a Ser a própria Vida que você vive.

Deus está integrado profundamente à Vida. Afinal Ele não CREOU um palco como o universo para ser um espectador.

A vida sem Deus é apenas um amontoado de conceitos abstratos e sem  sentido.

Viver a vida não é viver com Deus.
É viver Deus

Você não precisa de Deus na sua vida...
A vida sem Deus? Não sei como defini-la. Talvez, morte, ou talvez, um conjunto de objetos inanimados numa dança caótica, aleatória rumo ao vazio.

Não espere Deus tocar sua vida.
Ele é sua vida. Aqueles que humilham o próprio orgulho e egoísmo poderão sentí-Lo.

Não há espaço para DEUS no interior de quem está preenchido pelo EU.

Pedir para ficarem com Deus seria contradizer todos os argumentos...

Então... Sejam a vontade de Deus. Sejam os Olhos de Deus. Vivam o mundo de Deus para poderem sentir o Deus dos mundos.

Sessão Nostalgia Desmemorada 5



8 de novembro de 2011


Cristão morre ou desencarna?

Uma questão espírita?

     A morte é uma presença constante, espreitando de perto tudo que é vivo. Mesmo essa verdade sendo tão óbvia quanto natural, a maioria das pessoas prefere ignorá-la ao viver uma falsa eternidade terrena e termina por chocar-se  nos momentos que encará-la se torna inevitável.
     Aqueles denominados cristãos ficam igualmente atordoados com a desintegração do corpo e curiosamente a chamam de morte. Morrer significa deixar de existir, findar-se. Não é a mesma comunidade cristã que apesar de rejeitar a reencarnação, confirma categoricamente a imortalidade do espírito, demonstrada pela ressurreição do próprio Cristo? Uma vez que o espírito seria o constituinte essencial do ser humano além de seu caráter invulnerável diante da destruição física! Por que se referir às pessoas desencarnadas como defuntas, finadas ou mortas? Esse vocabulário fúnebre contradiz mesmo os discursos cristãos mais tradicionais. Mesmo que a visão do mundo extra-físico se restrinja aos espaços nebulosos do céu e do inferno, ainda assim o espírito vive para sempre. Logo um cristão falar de morte constitui contra-senso.
      Os espíritas podem ter popularizado em seu meio a palavra "desencarnar", porém ela devia ser estendida a todos os meios cristãos, para não citar todos aqueles os quais pregam a imortalidade da alma.Tanto nas missas quanto nos cultos ouvimos pregadores afirmando a vitória de Jesus sobre a morte, esta é aliás, nada mais, nada menos que a pedra angular do cristianismo, a fonte da fé cristã, a ideia fundamental sustentadora de toda moral defendida nos meios cristãos.
      O medo da morte aparece em primeiro lugar na lista dos maiores temores da humanidade, no entanto observamos os mártires cristãos da época romana caminharem para o coliseu cantarolando alegremente, mesmo estando prestes a serem devorados. Pensavam eles que iriam morrer? Ou eles viam o viver como única alternativa?
       Desencarnar não é deixar de viver para reviver numa outra vida, muito menos morrer. Desencarnar é simplesmente continuar vivo, como um sopro de Deus que não desvanece.
       Substituir uma mera palavra pode não ser suficiente para adquirirmos a consciência profunda daquilo que a palavra representa, todavia as representações da Vida não podem ser vinculadas aos símbolos da morte. Uma Vida sem fim, uma Vida que muda, uma Vida que sempre continua.

Mg Amaral  (All rights reserve!)

Até o próximo post!

Sessão Nostalgia Desmemorada 4



27 de agosto de 2011

O(S) Signo(S) da Morte??
Entre o martírio e o suicídio 

     Este texto se propõe a uma pequena reflexão a respeito de um comentário feito pelo mestrando Marcelo José Pereira( PPGH-UFPA), na sua exposição relativa a sua pesquisa: “A(O) suicida – comum-de-dois? As representações sobre o masculino e o feminino através das notícias sobre suicídios na imprensa belenense ( 1891 a 1919)”, no III Encontro de Novos Pesquisadores em História já mencionado em postagens anteriores.       
     No geral, parabenizo o mestrando devido ao caráter interessante do seu tema, assim como sua capacidade apurada de análise e oralidade. Contudo, um comentário inquietou meu espírito. Segundo ele, a Igreja Católica estaria em contradição, no momento em que exaltava o martírio e condenava o suicídio. Naquela hora, pego de surpresa com a questão e ainda interessado no desfecho da análise de Marcelo, não consegui estruturar meus pensamentos, de modo a contra-argumentar a afirmação coerentemente, ou seja, fiquei com medo de falar “besteira” e esperei para refletir em casa. 
     Bem... o que caracterizaria um suicida? Basicamente, seria uma pessoa disposta a tirar a própria vida. Mas por que uma pessoa teria tal aspiração? Acredito que, por viver uma situação, na sua ótica, intolerável, vislumbra como única solução se atirar no vazio. Sim, vazio! Um suicida dificilmente possuiria uma convicção interiorizada de uma existência além-túmulo. Mesmo que tivesse alguma, ela seria inconsistente, frágil, assombrada pela dúvida. Afinal, a não-existência seria o remédio para seu tormento psíquico. É contrária aos seus interesses, a possibilidade de permanecer vivo, após o fim do organismo material, pois a continuação da vida implica na continuidade de seus tormentos, uma vez que as doutrinas religiosas, de um modo geral, não oferecem boas perspectivas ao pós-vida dos suicidas. 
     Um segmento da realidade se tornara monstruoso, uma espécie de problema crônico, insolúvel e que torna cada minuto da vida amargo demais para suportar. Assim, o suicida encontra na morte a solução definitiva. Na verdade, ele não deseja a morte. Apenas procura desesperadamente um fim para seu(s) problema(s), decidindo pelo fim da própria vida, na sua concepção de finitude do existir. 
     O mártir representa um sujeito situado no extremo oposto da mentalidade suicida. Em momento algum ele deseja dar cabo de si mesmo, até porque, na concepção católica que por ora tratamos, não existe essa possibilidade de deixar de existir. O espírito é a fonte da vitalidade, a qual abandona o corpo no pós-morte sem jamais deixar o elemento espiritual, mesmo que seja para segui-lo nos suplícios infernais. 
     O mártir, ao contrário do suicida, não se acovarda diante de uma realidade conflituosa. Ele a enfrenta com uma coragem invejável até suas últimas consequências. Ele a encara, face a face, sem receio da morte porque, na sua perspectiva, esta não existe. Sendo assim, o mártir é amante da vida no seu sentido mais pleno, pois sua convicção espiritual se baseia, justamente, na ideia de eternidade, conceito ausente do vocabulário suicida. Outra questão é o fato de o mártir ser morto por outrem. Marcelo queria aproximar o mártir do suicida, afirmando que o primeiro se entregava à morte, praticando um suicídio indireto. Hipótese que não resiste a um exame minucioso. 
     Logo, a Igreja Católica, nesse caso, não caiu em contradição. Cada um desses dois personagens abordados executa papéis distintos, em contextos diferentes, além de possuírem visões de mundo diametralmente opostas. O suicida caminha vacilante, incerto do seu destino e torcendo pelo fim definitivo; o mártir transborda serenidade, mesmo entrevendo a destruição do seu corpo físico, elemento de uma vida secundária na concepção dele. A morte de um mártir poderia constituir uma profunda lição de vida para um suicida. Demonstra como a fé enraizada pode dar força ao indivíduo para que ele não ceda às pressões externas em situações extremas. 

Mg

VOCABULÁRIO 

Mártir 

substantivo de dois gêneros 

1 pessoa submetida a suplícios, ou mesmo à morte, pela recusa de renunciar à fé cristã ou a qualquer de seus princípios 

2 Derivação: por extensão de sentido. 

pessoa que sofreu torturas, ou mesmo morte, por não renunciar a qualquer outra crença, religiosa ou política 

3 Uso: hiperbólico. 

pessoa que sacrifica a própria vida ou algo de muito valor para levar a cabo algum trabalho ou experiência 

Ex.: m. da ciência 

4 Uso: hiperbólico. 

pessoa que sofre intensa e constantemente de um determinado mal 

Ex.: m. do câncer 

5 Derivação: por extensão de sentido. Uso: jocoso. 

vítima da tirania de certas convenções 

Ex.: m. da moda 



Martírio 

substantivo masculino 

1 tormentos e/ou morte infligidos a alguém em consequência de sua adesão a uma causa, a uma fé religiosa, esp. à fé cristã 

Ex.: o m. de são Sebastião 

2 Uso: hiperbólico. 

grande sofrimento, grande aflição 

Ex.: um amor não correspondido é um m. 





Suicida 

adjetivo de dois gêneros 

1 relativo a ou que envolve suicídio 

Exs.: revolução s. 

luta s. 

2 que serviu de instrumento de suicídio 

Ex.: revólver s. 

3 em que há dano ou ruína certa para o agente 

Ex.: atitude s. 



 adjetivo de dois gêneros e substantivo de dois gêneros 

4 que ou aquele que comete suicídio 



Suicídio 

substantivo masculino 

Regionalismo: Brasil. 

1 ato ou efeito de suicidar-se 

Ex.: cometer s. 

2 Derivação: sentido figurado. 

desgraça ou ruína causada por ação do próprio indivíduo, ou por falta de discernimento, de previdência etc. 

Ex.: sua ida para outro partido foi um s. político 

3 Rubrica: ludologia. Regionalismo: Brasil. 

em sinuca e jogos afins, ato de o jogador encaçapar involuntariamente a bola branca