segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Aprendendo a Ensinar


27/05/2017
Série: Redações
Pedagogia da Autonomia
Autor do livro: Paulo Freire
Cap. I: Prática docente : primeira reflexão


     Aprender é um processo contínuo, ininterrupto, diversificado. Aprendemos desde o nascimento até o momento da morte, o último respirar. A prática do ensino não seria diferente. Ensinar integra o processo de aprendizagem, seja ele formal ou informal. Aprendemos enquanto ensinamos e aprendemos a ensinar enquanto somos ensinados. Paulo Freire identifica esse processo de ensino-aprendizagem onde educadores e educandos constituem um continuum, elementos intrinsecamente interligados. Uma relação muito mais horizontal e dialética.
      O livro inteiro versa sobre o que ele denomina de exigências do ensinar. A cada capítulo nos são apresentadas uma lista daquilo considerado fundamental à prática educativa. Faremos aqui análises sumárias acerca de cada exigência com vistas à estimular a leitura da obra completa.
       Rigorosidade metódica. Freire inicia frisando a importância do rigor metodológico, próprio do procedimento científico sem o qual a prática docente careceria de credibilidade e seriedade. O domínio dos conteúdos, a preparação das aulas, tudo deve girar em torno da qualidade do ensino. Contudo Freire critica o denominado por ele de ensino bancário, focado no acúmulo excessivo de conteúdos desconectados da realidade sócio-politico-econômica do estudante. Os conteúdos deveriam emergir da realidade concreta, não como um laisser-faisser, mas sob orientação metódica do educador que valorizaria o aprendizado originado nas vivências cotidianas, na empiria, no senso comum.
        Pesquisa. Basicamente o autor invalida a dicotomia existente entre professor e pesquisador. Lecionar e pesquisar seriam duas faces da mesma moeda. O processos necessários ao ensinar seriam impensáveis sem a pesquisa científica. Mais que isso, a própria pesquisa seria um trabalho vazio sem o ensino, associado a divulgação, propagação dos objetos pesquisados.
       Complementando a ideia de horizontalidade e conexão dos conteúdos à realidade dos estudantes, faz-se imprescindível o respeito aos saberes adquiridos pelos estudantes no seu percurso de vida. Diferente de educadores mais antigos, Freire não acredita no aluno(ser sem luz própria) enquanto uma folha em branco, na qual o professor iluminado iria imprimir seus conhecimentos, transmiti-los unilateralmente. O ponto de partida do professor seria justamente a bagagem trazida pelo estudante, tomando cuidado com abordagens arrogantes que inferiorizam os aprendizes. Afinal, aprendizes somos todos, sempre.
         Pensar criticamente constitui um desafio. Ensinar a pensar criticamente, um desafio muito maior. Para Paulo Freire a criticidade representaria uma superação do paradigma originário e não uma ruptura com esse paradigma, nomeado por ele de curiosadade ingênua. Essa ingenuidade seria superada pela curiosidade epistemológica, de caráter cientifico a partir de reflexões e confrontos entre os conteúdos apresentados e a realidade concreta. A curiosidade, em essência, permaneceria a mesma, todavia seria criticizada, evidenciando o caráter sócio-político da educação. A educação jamais seria neutra, seja isso declarado ou não.
       Quem poderia pensar que vale tudo no exercício da docência? Honestidade, escrúpulos são valores fundamentais, inclusive para a construção de um conhecimento válido e validável. O autor chama de ética universal, o conjunto de princípios que devem regular a profissão docente a fim de torná-la viável. Quando nos deparamos com um autor com o qual discordamos, devemos ser justos em sua avaliação sem invisibilizá-lo ou colocar palavras na sua boca que ele jamais pronunciara. E para quem crê na irrelevância das formas em face ao conteúdo, Freire pondera. A estética seria igualmente primordial. A estética da sala de aula, a estética da própria aula, do falar, do agir. A estética da escola, das instituições. Tudo isso passa mensagens não verbais que corroboram ou contradizem nossos discursos verbalizados.
     Falando em discursos não verbais, precisamos lembrar do valor do exemplo. Nossa postura, atitudes, gestos, olhares, tons de voz. Nossa vaidade ou arrogancia em pequenas condutas. Nosso autoritarismo ao falar de democracia. Nossa indiferença para com nossos estudantes. A corporificação das palavras pelo exemplo permite que sejamos coerentes e multipliquemos nosso poder persuasivo.
      As turmas de estudantes são microcosmos da sociedade. Existe ali uma heterogeneidade, uma diversidade de ser e estar no mundo. Combater as muitas formas de discriminação é imperativo. Ao olvidar essas questões corremos sérios riscos de perder a atenção e consideração de muitos estudantes, além de permitirmos o crescimento das sementes do preconceito em cada um. Ensinar como qualquer atividade na vida, envolve riscos, por isso precisamos sair da zona de conforto se quisermos obter algum resultado relevante.
       Ensinar exige práxis, a reflexão sobre a própria prática. Os processos educativos são dinâmicos e sempre inacabados. Devido a isso a contínua reflexão sobre nossas práticas possibilita uma constante atualização de métodos e conteúdos, uma ampliação de nossos horizontes educacionais.

      Poder ser quem somos, integra um dos direitos mais básicos. Poder conhecer a nós mesmos, poder descobrir autonomamente quem somos. Permitir aos outros, serem quem são, permitir que sejam diferentes de nós. Autonomia que difere de independência e aí encontra-se o principal papel do professor, seu principal objetivo: contribuir para autonomização dos sujeitos, sua emancipação. 

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Receita Animada



17/09/2017
Série: Contos: Ânimo-Teórico-Metodológico
Autor: Mg Amaral


     Açúcar, ovos, fermento, farinha, chocolate, morango, creme de leite, leite condensado, ameixa, limão, biscoitos, maçã, etc, etc, etc. Quantos bolos possíveis? Quantos bolos deliciosos? Quantos bolos desastrosos? Tantos péssimos cozinheiros tão bem estudados! Tantos outros bons, desconhecendo os Universos universitários. A Vontade da Força. O ingrediente secreto, Amor? Mexe pra lá, mexe pra cá, por 10, 15, 20 minutos contados, recontados. Mas os ingredientes foram animados, estão vivos. Aí, complicou!
     Cada um pretende a prevalência do seu sabor, do seu traço. Quero de morango. Não, de chocolate! Limão, limão, limão!  Os ingredientes se empurravam uns aos outros, nada de obedecer à fila, nada de levantar as mãos. Era bolo ou torta, quente ou gelado. O tempo era curto. A cozinha, uma só. Necessário escolher. A escolha da frustração, da realização. A Chef de cozinha precisava pôr ordem naquilo, impor ou expor? Ela já ouvira falar de muitas ordens, contudo conhecia uma de muito tempo, de desde sempre que, bem ou mal, parecia funcionar. Grita, bate na mesa, e um pouco do chocolate acerta suas bochechas. O limão quase respinga nos seus olhos, o choro seria inevitável. Por que esses ingredientes tornaram-se animados? Ah, o passado idílico, todos tão quietinhos, esperando ser postos, em seus devidos lugares.
      A receita boa é essa! Eu estudei, eu sei! Minha experiência autoriza enfiar isso goela abaixo de todos vocês! Onde já se viu ingrediente animado? Voltem a seus lugares! Não era animação, era puro terrorismo! O tempo passava, a teoria do caos vivida na prática. O instituto não sei das quantas encomendara. Metas são metas, precisava cumprir. O emprego, o salário, todos os anos naquele Universo, agora, tão paralelo. Eles teimavam em se animar, verdadeiros looney ingredientes, lunáticos. Por um momento a Chef quase achou graça. Havia graça para achar? O que vocês estão fazendo aqui? Qual o seu objetivo? Quem vocês pensam que são, afinal? Silêncio... total! Tudo se aquietou, eles não sabiam. De repente, ela própria, enredada na rede silenciosa, percebeu que também não. Metade do tempo já virou pretérito imperfeito. A cozinha, uma verdadeira arte contemporânea com seus respingos de tudo, em todos os cantos.

        Em breve, chegaria um crítico gastronômico. Homem importante, de fora, de longe. A palavra, em forma de lei, como aquelas leis do mais alto dos céus. Diante dele, a Chef não passava de mero mortal. Mesmo assim, as réguas daquele sujeito pareciam tão arcaicas. O mundo não seria muito mais que altura e largura? Ela ainda não sabia as respostas das próprias perguntas, só sabia os silêncios intermináveis. Os ânimos arrefeceram por um tempo, mas permaneceram latentes, patentes. A curiosidade aguçada decide encontrar as respostas desses silêncios que a todos permeavam. Olhares meio desconfiados foram trocados. As mãos timidamente estendidas. Aperto. Iriam descobrir juntos e o crítico que tentasse engolir aquele ânimo renovado!

Ânimo Teórico-metodológico



12/08/2017
Anima Animus
Autor: MG Amaral
Série: Como fazer?

Ânimo Teórico-metodológico

     Você já deve ter passado, ao menos, alguns dias na casa de algum amigo ou parente e deve ter notado como eles fazem as tarefas domésticas, de maneira diferente da sua casa. Cada família ou indivíduo organiza as tarefas de maneira distinta, graças aos diversos modos de ser e estar no mundo. Cada um possui necessidades e prioridades diferentes, visões de mundo variadas e, por isso, as demandas e o modo de alcançá-las são diversos. Ainda assim, uns podem ser mais eficientes que outros, a depender de seus objetivos. Métodos: a maneira de lavar os pratos, por exemplo, deixando acumular para lavá-los no final do dia, ou lavando a cada prato sujo; da mesma forma, podemos pensar no modo de varrer a casa, arrumar a cama, etc. A Ciência também possui seus métodos? Cada disciplina, um método diferente? O próprio ato de estudar estaria sujeito a metodologias? Hora de pesquisar.

     Todas as ciências caracterizam-se pela utilização de métodos científicos; em contrapartida, nem todos os ramos de estudo que empregam estes métodos são ciências. Dessas afirmações podemos concluir que a utilização de métodos científicos não é da alçada exclusiva da ciência, mas não há ciência sem o emprego de métodos científicos.
      Assim, o método é o conjunto das atividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança e economia, permite alcançar o objetivo – conhecimentos válidos e verdadeiros – traçando o caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando as decisões do cientista. [Lakatos, Eva Maria; Marconi, Marina de Andrade; Fundamentos de metodologia científica – pg 65 -  7 ed. – São Paulo: Atlas, 2010]

     Trabalho científico é tomado aqui em sentido abrangente, envolvendo múltiplas perspectivas. De modo geral, refere-se ao próprio processo de produção do conhecimento científico, atividade epistemológica de apreensão do real; ao mesmo tempo, refere-se igualmente ao conjunto de processos de estudo, de pesquisa e de reflexão que caracterizam a vida intelectual do estudante; refere-se ainda ao relatório técnico que registra dissertativamente os resultados de pesquisas científicas, caso em que significa a própria monografa científica. [Severino, Antonio Joaquim, 1941; Metodologia do trabalho científico – pg 17 -24 ed. rev. e atual. – São Paulo: Cortez, 2016]
    
      A ciência utiliza-se de método que lhe é próprio, o método científico, elemento fundamental do processo de conhecimento realizado pela ciência para diferenciá-la não só do senso comum, mas também das demais modalidades de expressão da subjetividade humana, como a filosofia, a arte, a religião. Trata-se de um conjunto de procedimentos lógicos e de técnicas operacionais que permitem o acesso às relações causais constantes entre os fenômenos (...)[Severino, Antonio Joaquim, 1941; Metodologia do trabalho científico – pg 108 -24 ed. rev. e atual. – São Paulo: Cortez, 2016]

     Por quê? Para quê? Como? Por que estou produzindo esses textos? Por que estou criando essas vídeoaulas? Por que a insistência nesses tais mapas mentais? Por que tantas imagens? Por que desses textos coloridos? Quais seriam minhas intenções e finalidades? E como posso alcançar esses objetivos? Dinheiro? Também. Afinal, boas intenções não pagam boletos. Aprendizagem! Facilitar as aprendizagens dos meus estudantes é uma das principais metas. Possibilitar melhorias qualitativas, na vida dos aprendizes que interagem com minhas aulas. Ampliar horizontes, intensificar a autonomia dos sujeitos, alargar os raios de ação e intervenção na realidade, despertar ou fortalecer o ânimo pela vida, aprofundar as capacidades crítico-reflexivas. Mas por que eu investiria tempo e esforço nesses objetivos tão desafiadores? Visão de mundo, perspectiva. Meu olhar sobre a vida admite a interconexão de todos os seres vivos, destacadamente de nós seres humanos. Todos estaríamos emaranhados, numa rede de profundas conexões visíveis e invisíveis. A partir daí, prejudicar nossos semelhantes seria igual a prejudicar a nós mesmos; ajudá-los a desenvolverem-se seria ajudar, igualmente, a nós mesmos. Acredito que todos, em alguma medida, desejam viver melhor, desejam viver em um lugar melhor, ainda que o significado desse melhor possa variar, consideravelmente, de um para o outro. Sendo assim, meus esforços voltam-se, na medida de minhas limitações e potencialidades, na direção da construção de um mundo capaz de abrigar e manifestar nossos melhores sonhos!
      O trabalho pode ser fonte de desgostos, exploração, exaustão e desânimo, no entanto, também pode ser fonte de alegrias, satisfação e realizações. Isso depende, largamente, das intenções, dos objetivos, dos modos de organização, das interações estabelecidas, da remuneração, da valoração individual e social. Tenho o privilégio de trabalhar com algo valorizado por mim, de fazer o que gosto. Infelizmente, muitos não vivem assim. Porém, caso meu trabalho possa ajudar alguém nesse sentido, com certeza, terá sido de grande valia. Levar um pouco de cor à vida das pessoas.  Talvez, você tenha notado algo peculiar nesses textos. As cores! Inspirado nos ensinamentos do neurocientista Tony Buzan, criador dos esquemas de pensamento denominados de Mapas Mentais, resolvi colorir os textos. Um ato simples, carregado de simbologias e implicações. Por que o mundo adulto deve ser tão cinza, tão monocromático? Por que seriedade e qualidade estão tão atreladas à sisudez, à rigidez? Por que a rigorosidade deve acompanhar a severidade, beirando a hostilidade? Por que a ausência do humor, do sentimento, da poesia, na Ciência? Quem decretou a descoloração do mundo? Quem resfriou a Ciência tal qual um cadáver pálido? Não vemos na Natureza da Terra e dos espaços infinitos uma exuberância infindável de formas e cores? Não é esta Natureza exuberante, poética e misteriosa, o objeto vivo de nossos estudos? Por que restringir as cores aos usos da infância? Por que imaginá-las como uma ameaça à masculinidade de certos homens ou como a infantilização dos adultos, a perda da seriedade? Buzan, de maneira muito simples, nos fala do prazer estético, dos benefícios à memória, das conexões com nossa afetividade, proporcionadas pelo mero acréscimo de cores aos nossos estudos. Com tantos recursos gráficos à disposição, ficamos presos a padrões inflexíveis:

     Use CORES durante todo o processo. Por quê? Porque as cores são tão excitantes para o cérebro quanto as imagens. O uso da cor acrescenta vibração e vida ao seu Mapa Mental, fornece uma energia extraordinária ao Pensamento Criativo, e é divertido. [Buzan, Tony, Mapas Mentais e sua Elaboração: um sistema definitivo de pensamento que transformará a sua vida, pg 46, São Paulo, Ed. Cultrix, 2005]

      Os Mapas Mentais são esquemas de pensamento, métodos de sistematização e síntese das ideias. A partir de palavras-chaves, cores, linhas curvas, símbolos e imagens, o Mapa permite-nos condensar as ideias, num formato esteticamente atraente, análogo ao neurônio, evidenciando nossa personalidade e subjetividade, sem perder de vista o caráter técnico e objetivo. Meus textos são sempre acompanhados de Mapas Mentais para facilitar o entendimento e sintetização. Contudo, mais do que analisar meus mapas, minha proposta fundamental é a produção de mapas por parte dos estudantes, tendo, nos meus mapas, uma referência. A produção dos mapas possui um caráter avaliativo e autoavaliativo, no sentido de permitir ao professor avaliar o estágio de apropriação/construção do conhecimento pelos seus estudantes, assim como dos modos de organização objetiva/subjetiva desses conhecimentos. Permite também uma avaliação realizada pelo próprio aprendiz a fim de guiar seus novos estudos, além de valioso registro de informações integradas. Segundo Buzan, nosso cérebro trabalha a partir da imaginação e associações. Então, podemos ajudá-lo a trabalhar melhor com esse esquema:

      Todos os Mapas Mentais têm algumas coisas em comum: Todos usam cores, todos têm uma estrutura natural que parte do centro; todos utilizam linhas, símbolos, palavras e imagens de acordo com um conjunto de regras simples, básicas, naturais e familiares ao cérebro. Com um Mapa Mental, uma longa lista de informações áridas pode se transformar num diagrama colorido, fácil de lembrar e bem organizado que opera em harmonia com o funcionamento natural do cérebro. [Buzan, Tony, Mapas Mentais e sua Elaboração: um sistema definitivo de pensamento que transformará a sua vida, pg 25, São Paulo, Ed. Cultrix, 2005]

       Leia a palavra abaixo, impressa em letras maiúsculas. Em seguida, feche os olhos e mantenha-os fechados,  durante uns 30 segundos, pensando na palavra.
        FRUTA.
        Ao ler a palavra e fechar os olhos, imprimiu-se em sua mente a palavra FRUTA, como a impressão feita por um computador?
        É claro que não! O que o seu cérebro provavelmente gerou foi a imagem da sua fruta preferida, de uma bandeja com frutas ou de uma quitanda de frutas;  relacionou os sabores às frutas respectivas e, ainda “sentiu” seus aromas. Isso acontece porque nosso cérebro trabalha com imagens sensoriais, com conexões adequadas e associações que delas se irradiam. O cérebro usa palavras para disparar essas imagens e associações. [Buzan, Tony, Mapas Mentais e sua Elaboração: um sistema definitivo de pensamento que transformará a sua vida, pg 42, São Paulo, Ed. Cultrix, 2005]

          O seu cérebro irradia pensamentos em todas as direções.
          Elas produzem figuras tridimensionais com inúmeras associações que são especialmente pessoais para cada um de nós.
          O que você constatou com o “exercício da fruta” é que seu cérebro cria Mapas Mentais naturalmente! Ao fazer isso, você conseguiu algo ainda maior do que imagina e abriu caminho para um aperfeiçoamento notável do seu poder de pensar. Você descobriu como seu cérebro realmente trabalha. [Buzan, Tony, Mapas Mentais e sua Elaboração: um sistema definitivo de pensamento que transformará a sua vida, pg 43, São Paulo, Ed. Cultrix, 2005]


      Falar em avaliações, exames e provas dá calafrios e dores de cabeça a muita gente. Mas por que isso ocorre? As avaliações deveriam ser assustadoras assim? O problema estaria no caráter propedêutico de nossa educação, ou seja, o caráter seletivo. Uma educação onde cada nível de ensino se preocupa muito mais em selecionar os que estariam aptos aos níveis superiores do que em fomentar, de fato, o aprendizado de todos. Quais os objetivos da escola? Passar nos vestibulares, passar nos concursos, ingressar no ensino superior, favorecer o acesso a empregos bem remunerados? Não seria ensinar sobre a vida, sobre viver? Não seria favorecer o aprendizado o máximo possível? Não seria despertar potencialidades latentes, aflorar a criatividade, o pensamento crítico, a curiosidade investigativa? Nossos métodos andam de mãos dadas com nossos objetivos, muitas vezes, sem que percebamos. As notas deveriam ser o centro de nossas atenções ou nosso aprendizado? As notas medem com segurança nossos aprendizados? Existem formas de avaliar para além das provas tradicionais? Lembremo-nos dos mapas: as avaliações seriam como mapas de nosso aprendizado. Os mapas servem para nos auxiliar sobre as decisões, envolvendo nossos caminhos. Nesse caso, os caminhos seriam a própria aprendizagem. De quantas maneiras podemos nos expressar? Fala, escrita, prosa, verso, música, dança, teatro, desenho, jogos, áudios, vídeos, imagens, jornais, revistas, palestras, assembleias etc. Todas essas modalidades de expressão podem constituir formas válidas de compartilhar conhecimentos e propiciar avaliações e autoavaliações. Reflita e escolha as melhores maneiras de integrar seus conhecimentos e compartilhar com o mundo. Quanto mais formas, melhor e mais precisa será a avaliação. O conhecimento não deve ficar preso nas paredes do seu quarto, nem entre os muros das escolas. Identificar erros em nossos projetos, após a avaliação, não deve ser motivo de tristeza ou estagnação. A identificação dos erros deve servir para podermos refazer algo maior e melhor. Não tenhamos medo de errar. Precisamos nos livrar desse absurdo internalizado desde criança. Os erros são os degraus do aprendizado. Perguntar sempre que não compreender, seguir adiante, após as quedas inevitáveis. Não foi assim que aprendemos a andar?

    Desse mundo do ensino primário – algo informe e desordenado, compreendendo presentemente escolas estaduais, de matrículas, escolas municipais, com instalações geralmente inadequadas e com professores despreparados, e escolas particulares livres, todas ou de simples alfabetização ou de caráter, como vimos propedêutico e seletivo – passamos ao mundo do ensino médio.
     A transição tem algo de um salto. Não é apenas um novo nível, mas um novo reino, ou, então, a entrada definitiva no reino da educação seletiva. Como a marcar a violenta transformação, há que registrar o ritualismo que caracteriza a nova escola. A licença de organização, de programas, de métodos e formalismo mais estrito e por verdadeira inflexibilidade de organização. Distribui-se por cinco ramos esse ensino: o secundário, de caráter nitidamente intelectualista; o técnico-industrial, o agrícola, o comercial e o normal ou pedagógico.
       Teoricamente, o secundário seria propedêutico ao ensino superior, e os demais, de caráter profissional, destinados ao preparo dos quadros de nível médio de técnicos para a indústria, o comércio, a agricultura e o magistério primário. Na realidade, porém, todo esse ensino médio se vem fazendo propedêutico ao ensino superior, contentando-se com seu preparo para se iniciar no trabalho ativo apenas aquele grupo de alunos que, não conseguindo adaptar-se à rigidez dos seus padrões, acaba por abandonar o curso ou dele ser excluído pelas reprovações. [Texeira, Anísio; A escola brasileira e a estabilidade social; Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, vol. XXVIII, nº 67, 1957, pp. 9-10]     

     Quais conteúdos ensina um professor de História? História, vocês diriam, aquelas coisas “do tempo do ronca’, “do rococó”, “de onde Judas perdeu as botas”, “das poeiras dos museus”. Em parte, vocês estariam corretos, apesar da chamada História do Tempo Presente e outras questões teórico-metodológicas da História que não cabem nesse texto. O ponto-chave seria a restrição dos conteúdos aos conteúdos disciplinares dessa matéria. Como pesquisar, como sintetizar, como produzir um mapa mental, como ler, como interpretar, como cooperar, como trabalhar em equipe? Esses “como(s)” podem ser considerados conteúdos? O educador Antoni Zabala nos chama atenção para a existência dos conteúdos, nomeados por ele de procedimentais e atitudinais, muitas vezes, ignorados pelos professores. Também nos adverte sobre o chamado currículo oculto que envolve, entre outras coisas, o modo como a escola está organizada e os tipos de interação social hegemônicos dentro dela. Muitas vezes, o currículo oculto contradiz o projeto político-pedagógico propagado pela escola.
       Vimos, até aqui, uma noção de educação, fundada na ideia de processo, sequência, encadeamento. Podemos perceber esses processos em nossa rotina? Seriam os setores da nossa vida bem delimitados, compartimentados (família, amigos, trabalho etc) ou apenas os dividimos assim para facilitar nossa compreensão? Essa compreensão poderia ampliar-se a partir da reflexão de nossas práticas diárias? A práxis, reflexão sobre as próprias práticas, com o objetivo de transformar/melhorar a própria prática, seria cabível no contexto educacional? Nada mais pertinente a essa concepção educativa processual que a utilização de sequências didáticas para elaboração das aulas, atividades e organização dos conteúdos. No dizer da educadora Myriam Nemirovsky:
     
       Assumir que as atividades em classe podem ser estruturadas em sequências implica organizar um processo didático por meio do qual desencadeamos uma série de ações sucessivas e com diferentes graus de complexidade, que têm um propósito explícito e claro e que ocorrem ao longo de várias semanas ou meses. Essa forma de organizar as aulas se difere do modo educativo transmissivo, que vigorou durante muito tempo e lamentavelmente continua vivo em muitos lugares. Nele, o professor apenas repassava conhecimentos para as turmas e não havia o princípio de processo para o ensino e para a aprendizagem. As atividades estavam organizadas com base em uma concepção aditiva, em que se propunha uma atividade após a outra para treinar os alunos. A função das crianças era apenas adquirir o conhecimento passado pelo mestre. [Entrevista com Myriam Nemirovsky; Revista Nova Escola; 2011]

       Agora daremos a palavra ao professor Antoni Zabala:       

       [Sequência didática] Na unidade 4 vemos que em praticamente todas as atividades que formam a sequência aparecem conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais. Neste caso, os alunos controlam o ritmo da sequência, atuando constantemente e utilizando uma série de técnicas e habilidades: diálogo, debate, trabalho em pequenos grupo, pesquisa bibliográfica, trabalho de campo, elaboração de questionários, entrevistas, etc. Ao mesmo tempo, encontram-se diante de uma série de conflitos pessoais e grupais de sociabilidade que é preciso resolver, o que implica que devam ir aprendendo a “ser” de uma determinada maneira: tolerantes, cooperativos, respeitosos, rigorosos, etc. Nesta sequência vemos que, como outras, aparecem conteúdos das três categorias. Mas neste caso existe um trabalho muito explícito no dos conteúdos procedimentais e atitudinais (grifos nossos). Do mesmo modo que na unidade anterior, o fato de que apareçam estes conteúdos não quer dizer que exista uma consciência educativa. Enquanto isto não se traduza a maneira de trabalhar estes conteúdos por parte dos professores e não sejam objeto de avaliação, não poderemos considera-los conteúdos explícitos de aprendizagem. No entanto, se nos detemos na fase de avaliação, pode se ver que não se faz apenas uma avaliação da prova realizada, mas que a classificação é o resultado das observações feitas durante toda a unidade. Neste caso, pode se afirmar que se pretende que os alunos “saibam” os termos tratados, “saibam fazer” questionários, investigações, entrevistas, etc., e que cada vez “sejam” mais tolerantes, cooperativos, organizados, etc. [Zabala, Antoni; A Prática Educativa: Como ensinar; ed. Artmed, 1998]

       Devem ter percebido, igualmente, a utilização frequente da primeira pessoa em meus textos. A primeira pessoa não é recomendada em textos classificados como acadêmicos, todavia, percebi o potencial sócioafetivo dessa forma verbal e resolvi, singelamente, desafiar o establishment. Após ler vários textos de pedagogia e de história da educação, imaginei a possibilidade de aplicar esses conhecimentos didático-pedagógicos à estrutura do próprio texto. Conhecimentos muitas vezes pensados para a dinâmica das salas de aula poderiam ser adaptados à produção textual? Aproximação do estudante a partir de questões cotidianas; consideração pelos conhecimentos prévios do estudante; articulação entre cotidiano e conhecimento acadêmico; proposição de situações-problema significativas para o aprendiz; estímulo mental a partir de desafios, provocações e perguntas; estímulo à pesquisa; crença nas capacidades intelectuais do estudante, evitando respostas prontas e acabadas. O texto se pretende mais leve, mais colorido, mais desafiador ao mesmo tempo. Muitos estudiosos enfatizam a importância da afetividade no aprendizado. No âmbito textual, o que seria uma abordagem com potencial mais afetivo do que a utilização da primeira pessoa? Machado de Assis foi uma das minhas inspirações com seus diálogos diretos e desafiadores do narrador para com seus leitores. Meu “Eu” não irá sumir diante de impessoalidades frias e meus argumentos não enfraquecerão por explicitar minha personalidade e subjetividade, pelo contrário, serão elementos úteis a analises mais profundas de minhas obras, um espelho da minha tentativa de honestidade intelectual, de meu lugar de fala, de minha visão de mundo. Convido a todos a mergulhar nessa visão de mundo para, a partir dela, construírem suas próprias visões. Permitam-me ser um dos tijolos através dos quais edificarão seus sonhos.


Obs: Vídeos serão produzidos, gradualmente, sobre os chamados conteúdos procedimentais e atitudinais. Além disso, irei disponibilizar esses conteúdos e seus embasamentos teóricos digitalizados, no meu site, para download. Bons estudos! Gratidão pela atenção! OM


MAPAS MENTAIS











Vibrando Métodos




12/08/2017
Série: Animo-Teórico-Metodológico: Poesia
Autor: MG Amaral

Olá galerinha ondulatória ^^~~~__^^^^^~^^^~~~~~


Vibram os ventos, as ondas, as cores do arco-íris
Vibram as doces melodias
Reverberam os textos dos entusiastas
As prosas, os versos, narrativas, discursos, dissertações
Ressoam as vidas de mentes brilhantes
Ecoam o fulgor de incansáveis inquietações

Curiosos, detetives, investigadores
Artífices de conceitos, teorias, a ação de definir, generalizar
Lacunas, hipóteses, o poder de imaginar
Realidades escapando de seus quadros
Pinturas transbordando nossas finitudes

Laços indutivos, dedutivos, comparativos
Laços históricos, etnográficos, estruturalistas
Laços dialéticos, contraditórios laços
Clínicos, tipificadores idealistas
Parteiros de ideias, maternidade socrática

Ideias vibram, ecoam, reverberam
Não cabem em laços, quadros ou telas
Vibremos nós, junto a elas
De Mapa em Mapa, de roupa em roupa, sem camisas de força
A procura, nossa meta

O(s) “Como(s)”, nosso eterno processo
Deixemos flores na estrada

Deixemos cores no caminho

domingo, 10 de setembro de 2017

Fronteiras Movediças: O Público e o Privado na Educação



30/08/2017 
Série: Avaliação de História da Educação
Autor: Mg Amaral


Olá galerinha nem lá e nem cá...


     A obra clássica de Sérgio Buarque de Holanda Raízes do Brasil já apontava para o intrincado emaranhado existente entre os domínios público e privado nesse país, algo complicado de definir-se, tanto na teoria quanto na prática. Em outro clássico, A Formação do Brasil Contemporâneo, Caio Prado Júnior enfatizava a construção de uma economia voltada para o mercado externo, nomeadamente europeu. A educação brasileira pareceu ter seguido essas diretrizes, essas condicionantes, ao longo dos 500 anos de história da conquista e incorporação do território, primeiro, à Coroa portuguesa e depois, ao Estado brasileiro.
      As viagens ultramarinas dos séculos XV e XVI e suas conquistas decorrentes foram empreendimentos dispendiosos para a Coroa lusitana. Desse modo, os recursos da iniciativa privada tiveram um papel fundamental, na efetivação dessas viagens, atraídos pelas possibilidades lucrativas das “novas terras”. Uma perspectiva de saque, de exploração e não de enraizamento, necessariamente. Nos primeiros séculos de conquista, a educação, marcada pelas atividades jesuíticas, fundamentou-se numa catequização superficial dos nativos, além de uma estrutura esparsa e precária para a educação básica da elite residente, na terra do Cruzeiro. Aqueles poucos que almejavam uma educação superior voltavam-se para a metrópole. Os jesuítas agiram como um poder paralelo: ao mesmo tempo em que funcionavam como agentes do Estado português, provocavam conflitos de interesses entre o clero, a Coroa e os proprietários de terras. Isso sem falar dos indígenas e negros escravizados, cujas vozes essa tríade tentava silenciar a todo custo.
      No séc. XIX, a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro denotava a intenção de tecer narrativas nacionalistas, capazes de unificar o jovem país, em torno de um projeto imperial de nação. O Estado brasileiro, politicamente liberto das amarras portuguesas, engatinhava, no sentido de dotar-se de uma infraestrutura educacional autônoma, esbarrando, contudo, em sérios problemas econômicos, aliados a uma mentalidade referenciada na cultura europeia, destacadamente a francesa. A dependência econômica, tão grave quanto a política, colocava o Estado numa posição mais de legislador que de executor, dependente das iniciativas particulares para tocar seus projetos em frente. Assim, no séc. XIX, a educação doméstica ainda era forte, as escolas privadas e religiosas, significativas, o analfabetismo, gritante.
       O golpe republicano prometia muitas mudanças. Prometia. O Estado brasileiro continuava uma extensão da Casa Grande, uma extensão das fazendas de café. O Oeste paulista, uma locomotiva carregada pela Federação, carregando a Federação. A educação permanecia secundária e excludente, voltada para o exterior, apesar das pressões sociais, que cresciam cada vez mais, havendo, no entanto, uma tímida expansão, no início do séc. XX. A ideia de educação pública e gratuita foi ganhando força, associada à modernidade, ao desenvolvimento, derrubando, aos poucos, a mentalidade de “vocação agrária” do país.
       O séc. XX assistiu à expansão urbana brasileira, ao processo de industrialização, por substituição de importações, e à expansão das redes pública e privada de ensino básico, técnico, e superior. No grande concerto das nações, o Brasil não parecia “destinado” a ser protagonista, mas, sim, um mero consumidor de matéria-prima e mão-de-obra barata para as multinacionais instaladas em seu território. Nossa educação propedêutica, como dizia Anísio Teixeira, parecia nos qualificar para essa “nova vocação”.
      Em meados do séc. XX, quando a sociedade brasileira intentava andar com as próprias pernas, ampliar sua autonomia e reformar, profundamente, o sistema de ensino, sobreveio o golpe civil-militar. A Ditadura centralizou a gestão das instituições escolares, focalizou o ensino técnico-profissionalizante e facilitou a emergência da rede privada, subordinada ao projeto desenvolvimentista e conservador do Estado. As instituições escolares sofriam constantes ingerências, a fim de se manterem alinhadas à ideologia dominante.
      Com a redemocratização, houve um processo de descentralização da educação, redefinindo o papel do Estado, desta vez, como regulador mais que executor, semelhante ao período colonial, diferente da Ditadura. Regulação através de avaliações e censos. Tudo isso em meio à crise econômica inflacionária, herdada dos tempos de chumbo.
       Recursos, poder e paradigmas (hierarquia de valores, visões de mundo) permearam  as conflituosas relações entre o público e o privado. Quem detém os recursos? Quem comanda as instituições? Quais são as prioridades? A partir daí, como implantar essas ou aquelas políticas? Ser mais, ou menos democrático? A educação joga o jogo do poder e os discursos educacionais e políticos, muitas vezes, destoam das práticas. A educação, desde o Manifesto dos Pioneiros, foi vista como meio de controle social. Controle de quem e por quem?
            Desde o período colonial, existia uma associação direta entre elites econômicas e políticas. Essas mesmas elites determinavam os modelos de educação hegemônicos, de acordo as suas mentalidades e conveniências. Mistura de projeto e pragmatismo. Do mesmo modo que a instituição escolar não funciona num vácuo social, as instituições políticas também não. Capitães, Senadores, Deputados, Ministros circulavam entre fazendeiros, traficantes de escravos e donos de engenho, confraternizavam e confraternizam. O clero da alta hierarquia católica era formado pelos filhos das elites econômicas, para depois serem professores das mesmas, como se verifica, no caso dos jesuítas.

         Essa promiscuidade entre o público e privado vigora, com toda força, até hoje, em muitas confraternizações. A promiscuidade entre o poder político e econômico. As escolas das elites e as escolas dos pobres. A falta de senso de coletividade, de coisa pública, que deveria ser construído, na própria escola. Muitos projetos estão em disputa. Muitos personagens envolvidos, disputando em mesas de bar, em reuniões a portas fechadas e assembleias televisionadas. Cabe aos agentes da educação forjarem seus próprios projetos, lutarem por eles, fundamentados em sua vasta matéria-prima: o conhecimento.

terça-feira, 1 de agosto de 2017

Introdução à História




Anima Animus
Mg Amaral
Série: Livros Didáticos de História - 1

 Olá galerinha contadora de historias e estórias...

     Quem sou eu? De onde vim? Para onde vou? Existe significado na vida? O que é a vida? O que é aqui? O que é agora? O que é a realidade? Por que estou aqui? Por que estou lendo este texto? Essas são algumas das chamadas grandes questões da humanidade (com exceção da última, talvez), as perguntas fundamentais, o cerne da nossa curiosidade, o móvel de todas as ciências ou de toda Ciência. Não basta sabermos responder, porque saber formular perguntas é tão importante quanto formular respostas: saber que não somos oniscientes, ou seja, não sabemos tudo, possuímos conhecimentos limitados. Justamente por conta desses limites, devemos estar abertos a reconhecer equívocos, a reelaborar pensamentos, a mudar paradigmas diante de novos conhecimentos etc. Ainda que nossos conhecimentos objetivos tenham limitações, nossa curiosidade, imaginação e criatividade estão sempre aptos a superar todas as restrições, todos os obstáculos, ampliando os horizontes indefinidamente. Sem que percamos a humildade, o infinito nos espera, a imaginação é nossa estrada!
     Olá, tudo bem? Como foi seu dia? Consegue recordar-se de tudo que ocorreu hoje, ontem, anteontem? Poderia nos contar sobre cada detalhe do seu dia? Perdão, talvez seja falta de educação, afinal, ainda não nos conhecemos. Pois bem, galerinha do bem e do mal, irei relatar o meu, para se sentirem mais à vontade:
     Acordei pela manhã (poderia ser à tarde para os mais dorminhocos e ociosos), abri os olhos sonolentos, desejando mais cinco minutinhos, mais dez, mais quinze, mais vinte.... Após lavar o rosto, a sonolência dissipou-se, olhei o celular, selecionei um vídeo meditativo no YouTube e iniciei meus dez minutos de respiração profunda matinal, uma atividade proposta a mim mesmo, há alguns dias. Após tanto expirar e inspirar, finalmente tomei o café da manhã, na paz de Cristo e aqui estou, de fone nos ouvidos, ao som do mantra OM, produzindo esse singelo texto.
      Talvez seu primeiro impulso seja comparar suas primeiras horas da manhã com as minhas e, quem sabe, imaginar como seriam as primeiras horas das outras sete bilhões de pessoas do planeta. Quantas possibilidades, quantas diferenças e quantas semelhanças poderíamos encontrar? Esse pequeno relato constitui a História, uma história, uma estória ou apenas uma memória? Quais os significados desses termos e que relações eles guardam entre si? Perguntas profundas para as primeiras horas da manhã, contudo toda hora é história. A palavra história deriva do antigo termo grego historie que significa “investigar”, geralmente utilizado para referir-se a ocorrências passadas. Heródoto (484 a.C – 425 a.C) foi considerado o Pai da História e teria nascido em Halicarnassos, hoje Brodum, na Turquia. Um personagem cercado de controvérsias, suscitando calorosos debates entre os estudiosos. Seu livro Histórias aborda questões relativas à Grécia, ao Império Persa (guerras médicas) e ao Egito. Heródoto pretendia evitar o esquecimento dos feitos gregos, assim como dos povos adjacentes, naquela época. As fontes de sua História eram suas observações diretas, por meio das viagens empreendidas, além dos testemunhos de terceiros sobre fatos não presenciados por ele. Esquecimento, memória. Imagine-se com uma profunda amnésia. Quem seria você? Você continuaria sendo você mesmo? Suas atitudes em relação às pessoas à sua volta, em relação ao mundo mudariam, se você esquecesse tudo o que ocorreu, tudo o que aprendeu até hoje?
        As memórias dos antigos se baseavam nas tradições orais, no boca a boca, nos rituais religiosos passados de geração a geração, muitas vezes mais eficazes do que nossa sociedade informatizada poderia conceber. Mesmo assim, Heródoto possibilitou o registro escrito dessas memórias, evitando a fluidez que dissolve a tradição oral com o desenrolar dos séculos. Entretanto, essa História não era mero registro de memórias. Era interpretação, reflexão e sistematização de um conhecimento gerado a partir das inúmeras informações coletadas. Memória e esquecimento constituem o nosso ser. As memórias possuem lacunas, por isso são fragmentárias. Estudos de neurocientistas vinculam memória às emoções, uma vez que as nossas mais fortes lembranças envolvem os acontecimentos ligados às mais fortes e significativas emoções. Qual o sentido disso tudo? Talvez as palavras seleção, interpretação, perspectiva, limitação, interação e imaginação possam nos ajudar.
     Da mesma maneira que Heródoto interpretou os dados coletados ao longo de suas viagens, nós também interpretamos os acontecimentos à nossa volta, ao construir memórias, ao decidirmos o modo como agiremos em cada situação. O modo como você interpreta um evento ou uma pessoa influencia na sua maneira de agir? Podemos dizer que tudo no mundo seria um texto, um texto escrito, auditivo, tátil, olfativo ou visual? Podemos dizer que todos esses textos comportam possíveis leituras, diferentes entre si? E essas leituras dependeriam de nossos conhecimentos, de nossas perspectivas, de nossa visão de mundo? Por exemplo: recordam-se da minha historinha sobre esta manhã? Pois então, imagine o que diria uma pessoa que nunca leu nada sobre mantras e meditação. Talvez essa pessoa seja você, inclusive. A partir da visão dela, do seu ponto de vista, a minha prática de meditar, ao acordar, pode parecer incompreensível, intrigante, dispensável ou, até mesmo, uma perda de tempo. Pode ser que sua curiosidade a leve a pesquisar sobre o assunto e que essa pesquisa mude sua opinião sobre o fato ou reforce a opinião pré-existente, agora mais fundamentada. Consegue conectar-se com tudo já dito anteriormente?
     Outra probabilidade seria eu ter inventado toda aquela estória matinal, desta vez com “E”: ficção, criação, imaginação, literatura. Ainda que seja uma estória plausível de ter ocorrido, referenciada em aspectos da nossa realidade, qual elemento a caracterizaria enquanto uma indiscutível ficção? Sua principal fonte, a imaginação! A mesma imaginação capaz de compor belas músicas, poesias, jogos de computador e consoles, filmes, romances etc. Aqui chegamos a um dos pilares da História, enquanto disciplina acadêmica: suas fontes. As fontes históricas são os inúmeros tipos de vestígios legados pela humanidade ao longo do tempo, incluindo as obras ficcionais. Toda ficção foi produzida por alguém, em algum lugar, em alguma época, com algum ponto de vista, forma de interpretar o mundo. Investigar essas variáveis é o trabalho do historiador. A mulher, o homem e suas obras no decorrer dos tempos. Mudanças e permanências:

        A compreensão das relações existentes entre passado e o presente é uma questão intrigante. É também uma das questões centrais da História, disciplina que se dedica ao estudo das vivências humanas em épocas e lugares distintos. Ela investiga o que mulheres e homens de diferentes sociedades e épocas fizeram, pensaram e sentiram no decorrer de suas vidas. Abrange, por exemplo, aspectos da vida econômica, política, da cultura material e das mentalidades. (Cotrim, Gilberto: História Global: Brasil e geral: volume único – 10. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2012 - pg 11, cap. 1)

        O como, o método é outra chave para compreensão da disciplina História. A forma de tratar as fontes, a maneira de tecer as críticas, de questionar as fontes, a fim de extrair a verdade ou as verdades possíveis. Destacadamente, ao longo do séc. XIX, a História foi se consolidando como uma disciplina científica moderna, apoiada numa metodologia específica, na esteira do pensamento positivista. Positivismo rima com conhecimento objetivo, positivo, ou seja, a chance de conhecer a verdade dos fatos, de reconstituir a História, tal qual ela aconteceu. Caso você releia esse texto, perceberá a contradição desse pensamento com os argumentos construídos até aqui. Seria possível escrever a história exatamente como ocorreu? E o que significa esse “exatamente”? Teria o mesmo sentido para todas as pessoas debruçadas sobre os mesmos assuntos? Lembrem-se das questões de perspectivas, da não onisciência humana, das lacunas nas memórias, das lacunas nos próprios documentos, da interferência de nossas emoções, da subjetividade. Você seria capaz de reconstituir sua história exatamente como ela ocorreu? Como seria essa mesma história se fosse contada por sua mãe ou seu pai, por exemplo, ou por qualquer outro que tenha convivido bastante tempo com você? Ou como seria se um desconhecido entrevistasse as pessoas que o conheceram, para contar sua história ou mesmo recolhesse todos os vestígios de atividades deixados por você, ao longo do tempo? Faça um teste simples para perceber as possibilidades de diversas versões de uma mesma história:

        Ao mesmo tempo que existe uma pluralidade de pontos de vista sobre o passado, múltiplas são as “vozes” que nos falam dele. Essas “vozes”, ou melhor, essas fontes de informações, estão nos discursos orais e escritos, monumentos, obras literárias, pinturas, obras de arte, objetos cotidianos e mesmo nos corpos preservados ou esqueletos de pessoas de agrupamentos antigos, bem como no DNA de seus descendentes. Portanto, para apreender as múltiplas “vozes” do passado, cabe ao historiador definir enfoques, sem deixar de considerar a existência de outros.
         As fontes não falam por si e não trazem a verdade pronta: é preciso que o pesquisador interrogue o contexto em que foram produzidas, que grupo ou valores representam, de que maneira abordam e retratam os diferentes grupos sociais. Essas perguntas são geradas pelos interesses do historiador e pelas questões de sua época. Por isso, diferentes perguntas revelarão diferentes respostas de um mesmo documento, ou levarão a outros documentos. (Vicentino, Cláudio; Dorigo, Gianpaolo – História Geral e do Brasil 1. Ed. – São Paulo: Scipione, 2010 – pg 11)

         Se a História fosse uma religião, seu deus seria Cronos, o deus grego do Tempo. O tempo seria como uma gigantesca corrente marítima e nós estaríamos imersos nessa corrente, navegando em diferentes velocidades. Lembra-se das emoções? Aí estão elas, mais uma vez. Os tempos alegres passam tão rápido. Os tempos tristes e entediantes, tão devagar. Em nossa sociedade de tantas ocupações ao mesmo tempo, não parece estar voando? Percepções de tempo, perspectivas. Como passaria o tempo de sociedades indígenas, vivendo em florestas? Como passaria o tempo, nos campos dos interiores desse Brasil? Como cada um deles conta esse mesmo tempo? A partir do Sol, da Lua, dos fenômenos naturais, das épocas de plantio e colheita ou a partir de nossos relógios industrializados? Para que serviriam nossos relógios, numa sociedade florestal? Durante milhares de anos, as diversas populações humanas contaram o tempo de variadas maneiras, muitas vezes recorrendo aos fenômenos naturais observáveis, criando calendários cujos significados diferiam muito entre cada povo, pois cada um estava imerso em sua cultura e religiosidade. A História acadêmica estuda os homens no tempo, as singularidades de cada tempo. Estudar sociedades pretéritas seria como viajar para países distantes, mesmo que se trate de nosso próprio país. Tal qual o tempo, a percepção do mesmo varia de acordo às nossas emoções, os tempos históricos variam de acordo aos significados atribuídos aos fatos e temas organizados pelos historiadores, sendo uma construção social, passível de críticas e reorganizações.

    “Conhecimento é poder” - dito popular. Existe uma estreita relação entre os diversos ramos do conhecimento, como dizia o Pai da Pedagogia moderna, Comenius (1592-1670), citado pelo filósofo e pedagogo espanhol Antoni Zabala, em seu texto “A Organização dos Conteúdos da Aprendizagem”.  Em outras palavras, a Ciência seria uma só, compartimentada em várias disciplinas, devido às limitações da vida humana. Impossível aprender sobre tudo, ao mesmo tempo, em apenas uma encarnação. Por isso, o modelo de produção industrial, divisão em partes especializadas para otimizar o tempo, foi aplicado às Ciências. No entanto, não devemos perder de vista esta interconexão. O poder se expressa das mais diversas formas, desde a capacidade de se levantar da cama, abrir os olhos, até ocupar um cargo de presidência institucional. Poder e viver estariam indissociáveis, sendo o viver mais abundante, quanto maior o poder. Poder, influência, realização. Somos parte da humanidade ou estamos à parte dela? Então, sobre quem trata a História? Quem sou eu? Quem é o outro? Quem sou eu em relação ao outro? O que é a sociedade? As sociedades? Como vejo o outro? Como o outro me vê? Quantas verdades são possíveis? Autoconhecimento, conhecimento social, conhecimento cultural, político, econômico, religioso. O que aquelas sociedades lá de onde “Judas perdeu as botas”, perdidas nas brumas do tempo, têm a ver com você? E o passado recente também é História? Historie, investigue! Tudo isso descobriremos juntos ou ao menos viveremos tentando, nessa aventura pelos vestígios da História. Convido vocês a construírem seus caminhos, sem a vergonha de pedir ajuda a quem puder ajudar, sempre que necessário. Super-heróis possuem superpoderes. Humanos possuem poderes. E quão extraordinários serão esses poderes, quanto mais ampliarmos nossos conhecimentos, nossos horizontes. Quanto mais estivermos unidos em prol da sabedoria, mais os poderes serão ampliados. Conte uma história, conte sua história, contemos nossas histórias...