Anima Animus
Mg Amaral
Série: Livros
Didáticos de História - 1
Olá galerinha contadora de historias e estórias...
Quem sou eu? De onde vim? Para onde vou?
Existe significado na vida? O que é a vida? O que é aqui? O que é agora? O que
é a realidade? Por que estou aqui? Por que estou lendo este texto? Essas são
algumas das chamadas grandes questões da humanidade (com exceção da última,
talvez), as perguntas fundamentais, o cerne da nossa curiosidade, o móvel de
todas as ciências ou de toda Ciência. Não basta sabermos responder, porque
saber formular perguntas é tão importante quanto formular respostas: saber que
não somos oniscientes, ou seja, não sabemos tudo, possuímos conhecimentos
limitados. Justamente por conta desses limites, devemos estar abertos a
reconhecer equívocos, a reelaborar pensamentos, a mudar paradigmas diante de
novos conhecimentos etc. Ainda que nossos conhecimentos objetivos tenham
limitações, nossa curiosidade, imaginação e criatividade estão sempre aptos a
superar todas as restrições, todos os obstáculos, ampliando os horizontes
indefinidamente. Sem que percamos a humildade, o infinito nos espera, a
imaginação é nossa estrada!
Olá, tudo bem? Como foi seu dia? Consegue
recordar-se de tudo que ocorreu hoje, ontem, anteontem? Poderia nos contar
sobre cada detalhe do seu dia? Perdão, talvez seja falta de educação, afinal,
ainda não nos conhecemos. Pois bem, galerinha do bem e do mal, irei relatar o
meu, para se sentirem mais à vontade:
Acordei pela manhã (poderia ser à tarde
para os mais dorminhocos e ociosos), abri os olhos sonolentos, desejando mais
cinco minutinhos, mais dez, mais quinze, mais vinte.... Após lavar o rosto, a
sonolência dissipou-se, olhei o celular, selecionei um vídeo meditativo no
YouTube e iniciei meus dez minutos de respiração profunda matinal, uma
atividade proposta a mim mesmo, há alguns dias. Após tanto expirar e inspirar,
finalmente tomei o café da manhã, na paz de Cristo e aqui estou, de fone nos
ouvidos, ao som do mantra OM, produzindo esse singelo texto.
Talvez seu primeiro impulso seja comparar
suas primeiras horas da manhã com as minhas e, quem sabe, imaginar como seriam
as primeiras horas das outras sete bilhões de pessoas do planeta. Quantas
possibilidades, quantas diferenças e quantas semelhanças poderíamos encontrar?
Esse pequeno relato constitui a História, uma história, uma estória ou apenas
uma memória? Quais os significados desses termos e que relações eles guardam
entre si? Perguntas profundas para as primeiras horas da manhã, contudo toda
hora é história. A palavra história deriva do antigo termo grego historie que significa “investigar”,
geralmente utilizado para referir-se a ocorrências passadas. Heródoto (484 a.C
– 425 a.C) foi considerado o Pai da História e teria nascido em Halicarnassos,
hoje Brodum, na Turquia. Um personagem cercado de controvérsias, suscitando
calorosos debates entre os estudiosos. Seu livro Histórias aborda questões
relativas à Grécia, ao Império Persa (guerras médicas) e ao Egito. Heródoto
pretendia evitar o esquecimento dos feitos gregos, assim como dos povos
adjacentes, naquela época. As fontes de sua História eram suas observações
diretas, por meio das viagens empreendidas, além dos testemunhos de terceiros
sobre fatos não presenciados por ele. Esquecimento, memória. Imagine-se com uma
profunda amnésia. Quem seria você? Você continuaria sendo você mesmo? Suas
atitudes em relação às pessoas à sua volta, em relação ao mundo mudariam, se
você esquecesse tudo o que ocorreu, tudo o que aprendeu até hoje?
As memórias dos antigos se baseavam nas
tradições orais, no boca a boca, nos rituais religiosos passados de geração a
geração, muitas vezes mais eficazes do que nossa sociedade informatizada
poderia conceber. Mesmo assim, Heródoto possibilitou o registro escrito dessas
memórias, evitando a fluidez que dissolve a tradição oral com o desenrolar dos
séculos. Entretanto, essa História não era mero registro de memórias. Era interpretação,
reflexão e sistematização de um conhecimento gerado a partir das inúmeras
informações coletadas. Memória e esquecimento constituem o nosso ser. As
memórias possuem lacunas, por isso são fragmentárias. Estudos de
neurocientistas vinculam memória às emoções, uma vez que as nossas mais fortes
lembranças envolvem os acontecimentos ligados às mais fortes e significativas
emoções. Qual o sentido disso tudo? Talvez as palavras seleção, interpretação,
perspectiva, limitação, interação e imaginação possam nos ajudar.
Da mesma maneira que Heródoto interpretou
os dados coletados ao longo de suas viagens, nós também interpretamos os
acontecimentos à nossa volta, ao construir memórias, ao decidirmos o modo como
agiremos em cada situação. O modo como você interpreta um evento ou uma pessoa
influencia na sua maneira de agir? Podemos dizer que tudo no mundo seria um
texto, um texto escrito, auditivo, tátil, olfativo ou visual? Podemos dizer que
todos esses textos comportam possíveis leituras, diferentes entre si? E essas
leituras dependeriam de nossos conhecimentos, de nossas perspectivas, de nossa
visão de mundo? Por exemplo: recordam-se da minha historinha sobre esta manhã?
Pois então, imagine o que diria uma pessoa que nunca leu nada sobre mantras e
meditação. Talvez essa pessoa seja você, inclusive. A partir da visão dela, do
seu ponto de vista, a minha prática de meditar, ao acordar, pode parecer
incompreensível, intrigante, dispensável ou, até mesmo, uma perda de tempo.
Pode ser que sua curiosidade a leve a pesquisar sobre o assunto e que essa
pesquisa mude sua opinião sobre o fato ou reforce a opinião pré-existente,
agora mais fundamentada. Consegue conectar-se com tudo já dito anteriormente?
Outra probabilidade seria eu ter inventado
toda aquela estória matinal, desta vez com “E”: ficção, criação, imaginação,
literatura. Ainda que seja uma estória plausível de ter ocorrido, referenciada
em aspectos da nossa realidade, qual elemento a caracterizaria enquanto uma
indiscutível ficção? Sua principal fonte, a imaginação! A mesma imaginação
capaz de compor belas músicas, poesias, jogos de computador e consoles, filmes,
romances etc. Aqui chegamos a um dos pilares da História, enquanto disciplina
acadêmica: suas fontes. As fontes históricas são os inúmeros tipos de vestígios
legados pela humanidade ao longo do tempo, incluindo as obras ficcionais. Toda
ficção foi produzida por alguém, em algum lugar, em alguma época, com algum
ponto de vista, forma de interpretar o mundo. Investigar essas variáveis é o
trabalho do historiador. A mulher, o homem e suas obras no decorrer dos tempos.
Mudanças e permanências:
A compreensão das relações existentes
entre passado e o presente é uma questão intrigante. É também uma das questões
centrais da História, disciplina que se dedica ao estudo das vivências humanas
em épocas e lugares distintos. Ela investiga o que mulheres e homens de
diferentes sociedades e épocas fizeram, pensaram e sentiram no decorrer de suas
vidas. Abrange, por exemplo, aspectos da vida econômica, política, da cultura
material e das mentalidades. (Cotrim, Gilberto: História Global: Brasil e
geral: volume único – 10. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2012 - pg 11, cap. 1)
O como, o método é outra chave para
compreensão da disciplina História. A forma de tratar as fontes, a maneira de
tecer as críticas, de questionar as fontes, a fim de extrair a verdade ou as
verdades possíveis. Destacadamente, ao longo do séc. XIX, a História foi se
consolidando como uma disciplina científica moderna, apoiada numa metodologia
específica, na esteira do pensamento positivista. Positivismo rima com
conhecimento objetivo, positivo, ou seja, a chance de conhecer a verdade dos
fatos, de reconstituir a História, tal qual ela aconteceu. Caso você releia
esse texto, perceberá a contradição desse pensamento com os argumentos
construídos até aqui. Seria possível escrever a história exatamente como
ocorreu? E o que significa esse “exatamente”? Teria o mesmo sentido para todas
as pessoas debruçadas sobre os mesmos assuntos? Lembrem-se das questões de
perspectivas, da não onisciência humana, das lacunas nas memórias, das lacunas
nos próprios documentos, da interferência de nossas emoções, da subjetividade.
Você seria capaz de reconstituir sua história exatamente como ela ocorreu? Como
seria essa mesma história se fosse contada por sua mãe ou seu pai, por exemplo,
ou por qualquer outro que tenha convivido bastante tempo com você? Ou como
seria se um desconhecido entrevistasse as pessoas que o conheceram, para contar
sua história ou mesmo recolhesse todos os vestígios de atividades deixados por
você, ao longo do tempo? Faça um teste simples para perceber as possibilidades
de diversas versões de uma mesma história:
Ao
mesmo tempo que existe uma pluralidade de pontos de vista sobre o passado,
múltiplas são as “vozes” que nos falam dele. Essas “vozes”, ou melhor, essas
fontes de informações, estão nos discursos orais e escritos, monumentos, obras
literárias, pinturas, obras de arte, objetos cotidianos e mesmo nos corpos
preservados ou esqueletos de pessoas de agrupamentos antigos, bem como no DNA
de seus descendentes. Portanto, para apreender as múltiplas “vozes” do passado,
cabe ao historiador definir enfoques, sem deixar de considerar a existência de
outros.
As fontes não falam por si e não
trazem a verdade pronta: é preciso que o pesquisador interrogue o contexto em
que foram produzidas, que grupo ou valores representam, de que maneira abordam
e retratam os diferentes grupos sociais. Essas perguntas são geradas pelos
interesses do historiador e pelas questões de sua época. Por isso, diferentes
perguntas revelarão diferentes respostas de um mesmo documento, ou levarão a
outros documentos. (Vicentino, Cláudio; Dorigo, Gianpaolo – História Geral e do
Brasil 1. Ed. – São Paulo: Scipione, 2010 – pg 11)
Se a História fosse uma religião, seu
deus seria Cronos, o deus grego do Tempo. O tempo seria como uma gigantesca
corrente marítima e nós estaríamos imersos nessa corrente, navegando em
diferentes velocidades. Lembra-se das emoções? Aí estão elas, mais uma vez. Os
tempos alegres passam tão rápido. Os tempos tristes e entediantes, tão devagar.
Em nossa sociedade de tantas ocupações ao mesmo tempo, não parece estar voando?
Percepções de tempo, perspectivas. Como passaria o tempo de sociedades
indígenas, vivendo em florestas? Como passaria o tempo, nos campos dos
interiores desse Brasil? Como cada um deles conta esse mesmo tempo? A partir do
Sol, da Lua, dos fenômenos naturais, das épocas de plantio e colheita ou a
partir de nossos relógios industrializados? Para que serviriam nossos relógios,
numa sociedade florestal? Durante milhares de anos, as diversas populações
humanas contaram o tempo de variadas maneiras, muitas vezes recorrendo aos
fenômenos naturais observáveis, criando calendários cujos significados diferiam
muito entre cada povo, pois cada um estava imerso em sua cultura e
religiosidade. A História acadêmica estuda os homens no tempo, as
singularidades de cada tempo. Estudar sociedades pretéritas seria como viajar
para países distantes, mesmo que se trate de nosso próprio país. Tal qual o
tempo, a percepção do mesmo varia de acordo às nossas emoções, os tempos
históricos variam de acordo aos significados atribuídos aos fatos e temas
organizados pelos historiadores, sendo uma construção social, passível de
críticas e reorganizações.
“Conhecimento é poder” - dito popular.
Existe uma estreita relação entre os diversos ramos do conhecimento, como dizia
o Pai da Pedagogia moderna, Comenius (1592-1670), citado pelo filósofo e
pedagogo espanhol Antoni Zabala, em seu texto “A Organização dos Conteúdos da
Aprendizagem”. Em outras palavras, a
Ciência seria uma só, compartimentada em várias disciplinas, devido às
limitações da vida humana. Impossível aprender sobre tudo, ao mesmo tempo, em
apenas uma encarnação. Por isso, o modelo de produção industrial, divisão em
partes especializadas para otimizar o tempo, foi aplicado às Ciências. No
entanto, não devemos perder de vista esta interconexão. O poder se expressa das
mais diversas formas, desde a capacidade de se levantar da cama, abrir os olhos,
até ocupar um cargo de presidência institucional. Poder e viver estariam
indissociáveis, sendo o viver mais abundante, quanto maior o poder. Poder,
influência, realização. Somos parte da humanidade ou estamos à parte dela?
Então, sobre quem trata a História? Quem sou eu? Quem é o outro? Quem sou eu em
relação ao outro? O que é a sociedade? As sociedades? Como vejo o outro? Como o
outro me vê? Quantas verdades são possíveis? Autoconhecimento, conhecimento
social, conhecimento cultural, político, econômico, religioso. O que aquelas
sociedades lá de onde “Judas perdeu as botas”, perdidas nas brumas do tempo, têm
a ver com você? E o passado recente também é História? Historie, investigue! Tudo isso descobriremos juntos ou ao menos
viveremos tentando, nessa aventura pelos vestígios da História. Convido vocês a
construírem seus caminhos, sem a vergonha de pedir ajuda a quem puder ajudar,
sempre que necessário. Super-heróis possuem superpoderes. Humanos possuem
poderes. E quão extraordinários serão esses poderes, quanto mais ampliarmos
nossos conhecimentos, nossos horizontes. Quanto mais estivermos unidos em prol
da sabedoria, mais os poderes serão ampliados. Conte uma história, conte sua
história, contemos nossas histórias...
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