Olá galerinha questionadora, formular perguntas pode ser tão importante quanto elaborar respostas...
A partir do
diagnóstico da realidade educacional brasileira feita pelo Manifesto dos
Pioneiros da Educação na década de 1930, inflamados pelo chamado entusiasmo
pela educação, crentes na inexorabilidade do progresso, poderíamos identificar
as principais causas de seu fracasso, de suas limitações, de sua talvez,
ingenuidade?
1930.
Revolução? Golpe? Palavras que ressoaram, tanto quanto ecoaram na história tortuosa do Brasil. Um período entre guerras,
de cicatrizes abertas pelo globo. Um período de dissolução do jogo de forças
tradicionais brasileiras, instaurado pela Primeira República, denominada,
posteriormente, de República Velha. Apesar dos efeitos da Grande Guerra, as
nações ainda disputavam uma corrida febril, a fim de alcançarem o pódio de
primeiro lugar em matéria de civilização. Indústrias, tecnologias, armamentos e,
claro, educação. A educação apresentava-se sedutora como uma nova panaceia
universal. Ignorância, a raiz da barbárie, a raiz de todos os males. Educação,
a cura!
Em 1930, a
locomotiva cafeeira estava seriamente avariada, apesar de todos os remendos
estatais, de todos os empurrõezinhos da mão semi-invisível do mercado paulista
acoplada à fortaleza governamental federal. Nesse terreno extremamente
acidentado, foi plantada a semente das muitas promessas feitas pelo Manifesto
dos Pioneiros da Educação. Uma renovação
do Estado não podia prescindir de uma renovação daquele sistema educativo,
fragmentado, desorganizado, ineficaz, no dizer dos intelectuais manifestantes:
(...) todos os nossos esforços, sem
unidade de plano e sem espírito de continuidade, não lograram ainda criar um
sistema de organização escolar, à altura das necessidades modernas e das
necessidades do país. Tudo fragmentário e desarticulado. (O Manifesto dos
Pioneiros da Educação, 1932)
O raio X
dos pioneiros logrou apontar uma série de entraves para o desenvolvimento do
país, focando através da lente educacional:
Em lugar dessas reformas parciais, que se
sucederam, na sua quase totalidade, na estreiteza crônica de tentativas
empíricas (O
Manifesto dos Pioneiros da Educação, 1932)
A escola tradicional, instalada para uma
concepção burguesa, vinha mantendo o indivíduo na sua autonomia isolada e
estéril, resultante da doutrina do individualismo libertário, que teve, aliás,
o seu papel na formação das democracias e sem cujo assalto não se teriam
quebrado os quadros rígidos da vida social. (O Manifesto dos Pioneiros da
Educação, 1932)
A
obrigatoriedade que, por falta de escolas, ainda não passou do papel, nem em
relação ao ensino primário (...) ‘na sociedade moderna em que o industrialismo
e o desejo de exploração humana sacrificam e violentam a criança e o jovem’,
cuja educação é frequentemente impedida ou mutilada pela ignorância dos pais ou
responsáveis e pelas contingências econômicas. (O Manifesto dos Pioneiros da
Educação, 1932)
É
interessante notar o caráter reformista desse movimento renovador o qual
pensava a educação enquanto boa alternativa aos processos revolucionários; uma
mudança lenta e gradual da sociedade fundada nas instituições escolares. Vale
salientar a crença na força individual, ainda que tivessem um horizonte
solidário e cooperativo em suas concepções de homem moderno. Professores e
familiares foram criticados devido a seu despreparo pedagógico somado às
condições precárias vivenciadas, fator inviabilizante da utilização dos
recursos didáticos mais sofisticados. Não menos importante percebe-se, nas
entrelinhas, uma crítica ao liberalismo tal qual foi montado no Ocidente, assim
como ao aparelhamento estatal pelas elites agrárias brasileiras, tudo isso sem
sair completamente do paradigma liberal, iluminista e republicano. Apesar de
tudo, sua visão linear da História enraizava uma fé num progresso inelutável
facultado pelas luzes da Escola.
A fé de
que falamos sofreu um abalo explosivo, durante e após a Segunda Guerra Mundial:
o ápice da tecnologia humana aplicado da maneira mais bárbara possível; a
quebra da linearidade, a profunda desilusão, o medo. Mesmo antes disso, a
montagem de um Estado ditatorial com pretensões modernizantes foi suficiente
para sufocar, ao menos em parte, essa onda renovadora. Muitas ideias presentes
no Manifesto ainda são atuais, atraentes e, por vezes, precisas em suas
críticas: a educação para vida; a formação do cidadão pensante; o professor de
alta qualificação; a valorização do trabalho, do espaço fora da sala de aula
etc. Contudo ainda arranham a superfície do problema. Subestimaram o peso das
estruturas político-econômico-culturais. Esse peso esmagou seus ingênuos, porém
genuínos sonhos. Sonhos, ideias vêm e vão ao sabor dos tempos, sempre à espera
das novas mentes, prontas para lhes dar novas-velhas formas e cores. A vida é
dinâmica e nisso, sem dúvida, eles acertaram e são atuais. Resta à Escola
escolher entre o dinamismo da vida ou ficar para trás.
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