quarta-feira, 12 de agosto de 2015

A Fraternidade para além da Direita e da Esquerda



Olá galerinha do bem e do mal, direitinha e sinistra...


     Hoje, pretendo escrever um breve ensaio amador, a fim de estabelecer parâmetros rudimentares, na tentativa de fazer emergir um pensamento não enquadrado nas categorias de direita e esquerda, sem, contudo, deixar de relacionar-se com ambas. Tudo isso com vistas em desenvolvimentos futuros, a partir de leituras mais aprofundadas.
    A grosso modo, a ideia de direita e esquerda aparece de maneira mais nítida no decorrer da Revolução Francesa (1789-1799), com girondinos sentando à direita na câmara, jacobinos à esquerda e o chamado pântano, ao centro. Sendo os primeiros, desejosos de moderação política; os segundos, ansiosos pela radicalização da revolução, com ampla participação popular; os terceiros, pendendo ora para um lado, ora para o outro, sem se definirem.
     Caminhando dois séculos adiante, percebemos que alcunhas como conservadores, monarquistas, liberais, neoliberais, burgueses e capitalistas são atribuídas à direita; enquanto socialistas, comunistas, anarquistas, sindicalistas e socialdemocratas, à esquerda. A partir desse dualismo, lutas virulentas são travadas pelos defensores de cada lado, muitas vezes, sem espaço nenhum para um diálogo, já que cada um arroga para si o monopólio da verdade, transformando debates em agressões verbais e, até mesmo, físicas. Geralmente, ambos sequer dominam o arcabouço teórico que defendem e muito menos se dão o trabalho de conhecer a fundo o arcabouço teórico opositor.
     Particularmente, sou seduzido por discursos oriundos dos dois lados, entretanto, existe algo neles que me incomoda.  Para evitar, justamente, o dito pântano, elenquei quatro características marcantes em cada corrente, as quais parecem ser o principal alvo de ataque por parte dos detratores da direita ou da esquerda. São elas: o individualismo, o conservadorismo, o religiosismo e a violência pela direita; o coletivismo, o relativismo, o materialismo e, igualmente, a violência pela esquerda.
    Abordarei, agora, sumariamente, o sentido negativado desses oito caracteres. O individualismo aparece como base estruturante do pensamento liberal clássico em figuras notórias: John Locke, Adam Smith, Ricardo e outros. O ponto chave de tensão seria o egocentrismo subjacente, gerando um sistema propagador do egoísmo, o qual envenena as relações sociais, no momento em que inviabiliza a solidariedade e o sentimento de compaixão que a precede. Os interesses pessoais tornam-se intransigentemente centrais, afetando desde o plano micro ao macro, com força: classismos, imperialismos, corporativismos, etnocentrismo e afins são exemplos da ação egoística cujos resultados nocivos são bem conhecidos.
     O conservadorismo do pensamento entrava o enriquecimento intelectual, cultural e tecnológico. Existe aí uma rigidez, uma intransigência em reconhecer a complexidade da vida e seus tons de cinza, algemando tudo ao seu preto e branco. Existe um apego ingênuo às virtudes da tradição, um receio quase patológico, em relação ao novo. Certezas são cristalizadas e, de cristais, passam a tábuas de salvação apodrecidas num mar de incertezas. No fim, resta apenas a estagnação, o imobilismo e a violência utilizada para evitar a inexorável mudança.
    O religiosismo, nesse caso, é praticamente sinônimo de dogmatismo. Mas, por que não dizer mitificação do discurso religioso assim como daqueles que o proferem? Mitificação dos livros sagrados que impedem a crítica, a autocrítica, a contextualização. Interpretações literais e ou convenientes de trechos bíblicos. Visão fragmentada com pretensões totalizantes. Isso gera empobrecimento intelectual, suscetibilidade à manipulação e à violência justificada.
      A violência, por seu turno, parece permear tudo, assim como a tudo corrompe, ao mesmo tempo, justifica-se das mais variadas formas, algumas delas, beirando o completo delírio. Do lado direito, ela constitui-se guardiã do “establishment”, envernizada pelo Direito, aureolada pelas coroas das autoridades instituídas, empunha na mão direita a afiada espada da moral e dos bons costumes e está sempre disposta a abdicar das boas maneiras a fim de defendê-las. Já a mão esquerda esconde um sorrateiro punhal, pronto para golpear, seja pela frente ou pelas costas, os terríveis inimigos da revolução. A esquerda conclama “todos os seus” (sic) à guerra para estabelecer seu mundo de paz. O punhal que arrancará aquela mão empunhando a espada. Assim, a violência à esquerda é vista como um mal necessário a fim de atingir um bem maior. Ou, talvez, nem mal seja, já que seus alvos são legitimados pelos objetivos. A mesma violência que mantém o “establishment” seria canalizada para destruí-lo. Teoricamente, parece possível, mas como já disse alguém: na prática, a teoria é outra. E muitas práticas foram irremediavelmente desastrosas: União Soviética e China, para citar duas.
    A violência alimenta-se de si, por isso, tentar destruí-la com mais dela mesma é, no mínimo, equivocado. Engana-se quem acredita poder controlar a violência em larga escala, dirigi-la, direcioná-la por muito tempo. Talvez seja possível por pouco tempo, porém, uma vez que a faísca atinge o barril, todas as cabeças podem explodir ou rolar... e rolam... Robespierre que o diga... Mas, para além das questões de controle e direcionamento, existe a questão espiritual e, por que não dizer, psicológica. A violência é matriz de múltiplos desequilíbrios e, quando está exacerbada, a monstruosidade predomina; a insanidade torna-se lei. Não é à toa que nossa sociedade padece enferma, tendo a violência como viga- mestra.
    O coletivismo tem como principal problema, a invisibilização do indivíduo. A dissolução da individualidade. Para Marx, o indivíduo seria apenas uma abstração e o homem só se efetivaria em relação com os outros, ou seja, a sociedade precederia o indivíduo, inversamente ao que os liberais clássicos e seus contratos sociais preconizavam.
     Os seres humanos não existem isolados do mundo de relações, no entanto, não se resumem as próprias relações em si mesmas, existe espaço para um eu pulsar. Talvez não independência, mas, sim, a autonomia, a interdependência a qual difere, inclusive, da dependência passiva. O meio, sem dúvida, exerce influência, mas não uma influência determinista. A iniciativa individual, pode sim ser um contraponto ao meio e sua estrutura sufocante. Ainda que essa iniciativa aconteça num contexto relacional, isso não anula a fonte de onde ela emana. A partir disso, há espaço para o exercício do arbítrio, assim como para suas consequentes responsabilizações. O meio pode até ser um atenuante, mas não um neutralizador das responsabilidades, salvo em situações extremas, como nos casos de crianças que nascem sob o signo da guerra ou da tortura. E, mesmo nessas situações, há aqueles capazes de nos surpreender positivamente.
     O relativismo flerta progressivamente com o niilismo. Uma dança surreal onde o tudo e o nada figuram na mesma moeda; são carne da mesma carne; são um rodopio surdo, mudo, sem cor, sem odor e, até mesmo, sem movimento. E, no momento em que tentamos apreendê-lo, já não são mais, nem podem ser algo mais. Enxergar os tons de cinza foi uma tarefa nobre, todavia, destituir o colorido de toda cor possível foi um perigoso exagero. Assim, já não haveria nada para ver... para estudar... ou mesmo, para viver...
      O materialismo, na sua sanha em combater as incoerências do religiosismo, foi ao ponto em que o sentido da vida deixou de fazer sentido. O motor da vida humana é a transcendência por natureza. Viver apenas para a vida terrena pode constituir-se um beijo mortal com o relativismo, corroendo não só a civilização como a sociedade. Ironicamente, o materialismo possui fortes tendências individualistas, além de desencorajar empreendimentos de longo prazo. Nele, o hedonismo do carpe diem pode fincar raízes profundas...
    Dito isso, proponho quatro contrapontos às tendências direitistas e esquerdistas, de modo a embasar uma maneira alternativa de pensar e instrumentalizar, a posteriori, uma crítica consistente a essas duas matrizes do pensamento ocidental: o indivíduo-nexus, a flexibilização, a espiritualização e a caritação. 
     O conceito de indíviduo-nexus abarca a noção de coletividade e suas relações sociais, sem perder de vista a individualidade, a autonomia individual e a consequente responsabilização pelos seus atos, assim como a possibilidade de ser sujeito da história e não sujeito à história. O Ser precede a própria sociedade e manifesta-se mesmo sem entreter relações diretas com a mesma. Contudo, esse Ser está, desde o nascimento, inexoravelmente interconectado a tudo e a todos. É um ser relacional e relacionado por natureza. Por isso, a autossuficiência não passa de ilusão, sendo a cooperação, a solidariedade e a compaixão imperativos para a construção de uma sociedade sadia. Nexu é conexão em latim, logo indivíduo-nexus é o indíviduo conectado ao universo por excelência, da maneira mais profunda possível.
    A palavra flexibilizar significa tornar-se menos rígido, mais maleável, elástico. A flexibilização permite a relativização moderada, sem descambar no niilismo destruidor. Ela também incorpora a virtude da rigidez: a estabilidade, sem a qual nada se constrói e civilização alguma se ergue. Isso sem se deter num imobilismo castrador. Flexibilizar é enxergar os tons de cinza, mas, também, reconhecer a existência do preto e do branco; reconhecer a objetividade da realidade, mesmo que esta seja difícil de apreender ou, talvez,  até impossível em sua plenitude. Afinal, não somos deuses oniscientes.
     Espiritualizar significa dedicar-se às coisas da alma ou do espírito. Significa enxergar o mundo e enxergar-se no mundo como um ser espiritual em trânsito. Espiritualizar é mudar a perspectiva, tendo como horizonte a eternidade, como meta contínua, o aprender reticente. Espiritualização é a conexão estabelecida com o Universo, através de um laço de amor. O longo prazo passa a ser bem-vindo, sem os medos infernais, os moralismos hipócritas ou o vazio desolador. Tudo é um processo interno, intransferível, sem intermédios de sacerdotes ricamente paramentados.
    Caritação foi mais um neologismo, oriundo da palavra latina caritate fundida com a palavra ação. A caridade é a disposição à benevolência, à compaixão, ao amor. A caritação é a caridade enquanto instrumento de ação. Essa disposição seria posta a serviço dos outros e de nós mesmos. A caridade enquanto  estilo de vida; enquanto ações individuais e coletivas. Nada de assistencialismo puro e frio. O verdadeiro amor é aquele capaz de nos libertar, para que saiamos da dependência em direção à interdependência autônoma e consciente. Assim como a violência, o amor alimenta-se de si e converte tudo que toca em si mesmo, inclusive a violência.
   O poder desejado pelo lendário rei frígio, Midas, é como o Eldolrado conquistado a partir da violência. Ainda que tudo vire ouro, esse ouro acompanha uma maldição a qual devora nossos bens mais preciosos (o rei perde sua filha Phoebe transformada em ouro). O amor é a fonte do rio Pactolo que converte toda maldição da violência em areia dourada e nos lava de nós mesmos...

   Obs: Quanto à instituição da propriedade privada, do ponto de vista espiritual, soa bastante esquisita, uma vez que levamos apenas aquilo que somos (um valor inestimável). E, em relação a ter um Estado controlador e equalizador, também não parece um cenário libertador. Ainda do ponto de vista espiritual, somos uma espécie de usuários da Terra, jamais donos ipsis litteris. Apesar disso, a abolição da propriedade privada demanda a emergência de uma mentalidade fraterna entre os seres humanos. Sem ela, o ego travestido de boas intenções sempre ocupará um lugar perigosamente central.


Espero que tenham gostado e até o próximo post!

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