30/08/2017
Série: Avaliação de História da Educação
Autor: Mg Amaral
Olá galerinha nem lá e nem cá...
A obra clássica de Sérgio
Buarque de Holanda Raízes do Brasil já apontava para o intrincado emaranhado
existente entre os domínios público e privado nesse país, algo complicado de
definir-se, tanto na teoria quanto na prática. Em outro clássico, A Formação do
Brasil Contemporâneo, Caio Prado Júnior enfatizava a construção de uma economia
voltada para o mercado externo, nomeadamente europeu. A educação brasileira
pareceu ter seguido essas diretrizes, essas condicionantes, ao longo dos 500
anos de história da conquista e incorporação do território, primeiro, à Coroa portuguesa
e depois, ao Estado brasileiro.
As viagens ultramarinas dos
séculos XV e XVI e suas conquistas decorrentes foram empreendimentos
dispendiosos para a Coroa lusitana. Desse modo, os recursos da iniciativa
privada tiveram um papel fundamental, na efetivação dessas viagens, atraídos
pelas possibilidades lucrativas das “novas terras”. Uma perspectiva de saque,
de exploração e não de enraizamento, necessariamente. Nos primeiros séculos de
conquista, a educação, marcada pelas atividades jesuíticas, fundamentou-se numa
catequização superficial dos nativos, além de uma estrutura esparsa e precária
para a educação básica da elite residente, na terra do Cruzeiro. Aqueles poucos
que almejavam uma educação superior voltavam-se para a metrópole. Os jesuítas
agiram como um poder paralelo: ao mesmo tempo em que funcionavam como agentes
do Estado português, provocavam conflitos de interesses entre o clero, a Coroa
e os proprietários de terras. Isso sem falar dos indígenas e negros
escravizados, cujas vozes essa tríade tentava silenciar a todo custo.
No séc. XIX, a criação do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro denotava a intenção de tecer
narrativas nacionalistas, capazes de unificar o jovem país, em torno de um
projeto imperial de nação. O Estado brasileiro, politicamente liberto das
amarras portuguesas, engatinhava, no sentido de dotar-se de uma infraestrutura
educacional autônoma, esbarrando, contudo, em sérios problemas econômicos,
aliados a uma mentalidade referenciada na cultura europeia, destacadamente a
francesa. A dependência econômica, tão grave quanto a política, colocava o Estado
numa posição mais de legislador que de executor, dependente das iniciativas
particulares para tocar seus projetos em frente. Assim, no séc. XIX, a educação
doméstica ainda era forte, as escolas privadas e religiosas, significativas, o
analfabetismo, gritante.
O golpe republicano prometia
muitas mudanças. Prometia. O Estado brasileiro continuava uma extensão da Casa
Grande, uma extensão das fazendas de café. O Oeste paulista, uma locomotiva
carregada pela Federação, carregando a Federação. A educação permanecia
secundária e excludente, voltada para o exterior, apesar das pressões sociais,
que cresciam cada vez mais, havendo, no entanto, uma tímida expansão, no início
do séc. XX. A ideia de educação pública e gratuita foi ganhando força,
associada à modernidade, ao desenvolvimento, derrubando, aos poucos, a mentalidade
de “vocação agrária” do país.
O séc. XX assistiu à expansão
urbana brasileira, ao processo de industrialização, por substituição de
importações, e à expansão das redes pública e privada de ensino básico,
técnico, e superior. No grande concerto das nações, o Brasil não parecia
“destinado” a ser protagonista, mas, sim, um mero consumidor de matéria-prima e
mão-de-obra barata para as multinacionais instaladas em seu território. Nossa
educação propedêutica, como dizia Anísio Teixeira, parecia nos qualificar para
essa “nova vocação”.
Em meados do séc. XX, quando a sociedade brasileira intentava andar com
as próprias pernas, ampliar sua autonomia e reformar, profundamente, o sistema
de ensino, sobreveio o golpe civil-militar. A Ditadura centralizou a gestão das
instituições escolares, focalizou o ensino técnico-profissionalizante e
facilitou a emergência da rede privada, subordinada ao projeto
desenvolvimentista e conservador do Estado. As instituições escolares sofriam
constantes ingerências, a fim de se manterem alinhadas à ideologia dominante.
Com a redemocratização, houve um processo de descentralização da
educação, redefinindo o papel do Estado, desta vez, como regulador mais que
executor, semelhante ao período colonial, diferente da Ditadura. Regulação
através de avaliações e censos. Tudo isso em meio à crise econômica inflacionária,
herdada dos tempos de chumbo.
Recursos, poder e paradigmas (hierarquia de valores, visões de mundo)
permearam as conflituosas relações entre
o público e o privado. Quem detém os recursos? Quem comanda as instituições?
Quais são as prioridades? A partir daí, como implantar essas ou aquelas
políticas? Ser mais, ou menos democrático? A educação joga o jogo do poder e os
discursos educacionais e políticos, muitas vezes, destoam das práticas. A
educação, desde o Manifesto dos Pioneiros, foi vista como meio de controle
social. Controle de quem e por quem?
Desde o período colonial,
existia uma associação direta entre elites econômicas e políticas. Essas mesmas
elites determinavam os modelos de educação hegemônicos, de acordo as suas
mentalidades e conveniências. Mistura de projeto e pragmatismo. Do mesmo modo
que a instituição escolar não funciona num vácuo social, as instituições políticas
também não. Capitães, Senadores, Deputados, Ministros circulavam entre
fazendeiros, traficantes de escravos e donos de engenho, confraternizavam e
confraternizam. O clero da alta hierarquia católica era formado pelos filhos
das elites econômicas, para depois serem professores das mesmas, como se
verifica, no caso dos jesuítas.
Essa promiscuidade entre o
público e privado vigora, com toda força, até hoje, em muitas
confraternizações. A promiscuidade entre o poder político e econômico. As
escolas das elites e as escolas dos pobres. A falta de senso de coletividade,
de coisa pública, que deveria ser construído, na própria escola. Muitos
projetos estão em disputa. Muitos personagens envolvidos, disputando em mesas
de bar, em reuniões a portas fechadas e assembleias televisionadas. Cabe aos
agentes da educação forjarem seus próprios projetos, lutarem por eles,
fundamentados em sua vasta matéria-prima: o conhecimento.
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