sábado, 28 de novembro de 2015

Noções de América e a Obra: Joana de Ângelis, A Mentora das Américas



Olá galerinha do bem e do mal, como estão?


      “José Olívio Paranhos Lima (Catu, 2 de setembro de 1955) é um cordelista brasileiro. Filho de Olívio Pereira Lima (Oliveira) e Amélia Paranhos Lima (Iaiá),  criado, porém, por Gedalva Ramalho Madureira (Dai), escritor, ativista ecológico e autor de obras em Literatura de Cordel brasileiro. Aos seis anos, mudou-se para Alagoinhas. É membro da Ordem Brasileira dos Poetas de Cordel. Autor de vários livros de poesia, José Olívio é licenciado em Letras pela UNEB, professor radicado em Alagoinhas, no Estado da Bahia. Durante a elaboração da Constituição brasileira de 1987, o poeta deflagrou um movimento Circuito Nacional de Preservação da Amazônia, que antecedeu, no país, a criação das entidades ecológicas. Espírita, dedicou algumas de suas obras à divulgação da fé que abraçou.”                                         
       Apresentado, ligeiramente o autor, resta apresentar a personagem central do cordel de Paranhos. Joanna de Ângelis é famosa no meio espírita, por ser considerada a mentora espiritual do médium baiano Divaldo Franco. Franco é, nada menos, que o maior expoente no movimento espírita brasileiro e, quiçá, internacional, uma vez que o Brasil figura como o principal país espírita contemporâneo, tanto em termos quantitativos como qualitativos. Não por acaso, um dos cordéis de Paranhos é dedicado, especialmente ao médium: Divaldo Franco, O Baiano que virou Cidadão do Mundo
       O mentor ou guia espiritual possui uma função análoga ao do anjo da guarda católico, sendo que, em casos de mediunidade aflorada, essa função extrapola aquela interlocução muda e aparentemente unilateral, baseada na crença do invisível para configurar-se uma experiência audível, visível ou, até mesmo, tangível. Ou seja, do ponto de vista do médium, seria uma experiência tão real quanto qualquer outra e, por isso mesmo, sua interlocutora, Joanna, longe de ser um fruto de algum distúrbio mental, figuraria como uma entidade tão viva quanto real. Paranhos escreve a partir dessa perspectiva.
      Segundo Divaldo Franco, Joanna de Ângelis teria encarnado ao menos quatro vezes na Terra. Na primeira “descida” teria sido Joana de Cusa, uma das mulheres do evangelho canônico. Seria esposa de Cusa, o procurador de Herodes e tornou-se uma das principais discípulas de Jesus, segundo o livro Boa Nova, psicografado por Francisco Xavier.
      Numa segunda encarnação, teria sido uma seguidora de São Francisco de Assis, cuja missão era a renovação de uma Igreja desvirtuada. Encarnanda pela terceira vez, ela ressurge em Nova Espanha (atual México), séc. XVII, como Juana Inês de La Cruz. Esta, talvez seja sua mais importante encarnação. Inês de La Cruz é uma famosa personagem histórica do México, devido às suas vigorosas obras de poesia e dramaturgia. Foi uma criança prodígio e autodidata, aprendendo espanhol, português, nahuátl e latim, num curto período de tempo. Intentou ingressar na Universidade, vestida de homem, por  ser essa instituição de ensino restrita aos homens, mas terminou por saciar sua sede de saber na ordem das Carmelitas e, posteriormente, na ordem das Jerônimas. Foi uma monja das bibliotecas, erudita, aficionada por livros e defensora da liberdade da mulher, sendo considerada a primeira feminista da América. 
     O primeiro detalhe que chama atenção no cordel é o próprio título. Joana de Ângelis é alçada à condição de mentora das Américas. A América aparece no plural, demonstrando uma noção de desmembramento desse continente, por parte do autor. Na perspectiva de Paranhos, existe mais de uma América, fato que pode ser justificado das mais diversas formas e sob variados referenciais. Ainda assim, Joana aparece como um fator de coesão, supondo a ideia de vários em um. Esse argumento é corroborado pelos versos que qualificam Joana como “a primeira americana a defender a mulher”. Nesse caso, não há especificação de América Latina, do Norte ou do Sul. Ela é vista como uma personalidade americana, não restrita aos EUA, mas referente ao Continente assim nomeado, em homenagem a Américo Vespúcio.
      A região que hoje corresponde ao Estado mexicano aparece nos versos de Paranhos associada à doença, à fome (pobreza) e à ignorância: “Onde havia muito doente \ E povo passando fome \ Era rude aquela gente.” Isso contrasta com a posição privilegiada da personagem, que chegou a frequentar a corte como dama de companhia da vice-rainha, a Marquesa de Mancera. Além de conviver com uma nobreza local abastada, Juana contrastava pelos seus destacados dotes intelectuais, dotes esses que tornaram possível os contatos com a corte e lhe granjearam a amizade de mulheres da nobreza. Ela surge como um farol, em meio a uma terra sofrida.
     Se, por um lado, a Nova Espanha parece um lugar desolador, Juana Inês encarna com brilhantismo um projeto de redenção e libertação das Américas. Uma personagem heroica, destacada pela sua erudição que, mesmo vivendo em meios elitistas e conservadores, foi capaz de questionar o status quo, submetendo-se, deliberadamente, às disciplinas rigorosas das ordens religiosas, fora do conforto da corte. Uma submissão que tinha como pano de fundo seu desejo ardente pelo conhecimento, vetado pelas Universidades da época. Ironicamente, nessa terra de fome e doença, a heroína de Paranhos morre, vítima de uma epidemia, e, mesmo próxima da morte, conseguiu socorrer várias irmãs.
            O cordel, o qual descreve três encarnações de Joanna de Ângelis, equipara Brasil e México como países americanos, pertencentes à mesma América. Fato interessante, se nos lembrarmos da maneira apartada como muitos brasileiros pensam o Brasil em referência à América Latina. No meio espírita, o Brasil é visto como a pátria do evangelho, aquele responsável por encabeçar uma revolução espiritual no planeta. E, apesar de o autor pensar em Américas, incluindo todo o Continente, as encarnações citadas ocorreram em dois dos principais países latino-americanos: México e Brasil. Não menos importante, o trabalho de Joanna, enquanto espírito desencarnado, voltou-se mais uma vez para o Brasil, auxiliando Divaldo Franco. Se, no cenário político mundano, a América Latina não assume um papel de protagonista global, ao menos para o cordelista José Olívio e muitos espíritas e umbandistas, essa região do globo possui uma relevância inolvidável.   

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