Falar de preconceito virou moda. Falar, na
verdade, contra o preconceito, bradar o mais alto possível, a fim de eliminá-lo
de uma vez da face sofrida da Terra! Todos se acautelam de se dizerem
preconceituosos: preconceituoso eu¿ Jamais! Existe o policiamento vocabular, o
império do politicamente correto, a polidez, o verniz da civilização! Aquele
brilho cínico estampado em sorrisos educados; aquela atmosfera morna que percorre
os salões das mais requintadas festas, das conferências, dos congressos.
Preconceituoso você¿ A não ser que encarne o Deus onisciente...Sim, sim, sim!
Segundo o dicionário Houaiss, preconceito é: “1 qualquer
opinião ou sentimento concebido sem exame crítico 1.1 ideia, opinião ou sentimento desfavorável formado sem
conhecimento abalizado, ponderação ou razão 2 sentimento hostil, assumido em
consequência da generalização apressada de uma experiência pessoal ou imposta
pelo meio; intolerância (...)”.
Ora,
a ignorância é a essência própria do preconceito, é sua razão de ser tal como
é. Fala-se muito em tipos específicos de preconceito: contra negros, mulheres,
pobres, LGBTS e religiosos. Porém, esquecem a diversidade de preconceitos que
abarcam ou podem abarcar tudo e todos, cada grão daquilo chamado realidade.
Desse modo, ouso complementar o Houaiss, sinalizando que nem todo preconceito encarna
uma negativação, contudo seu cerne encontra-se na invariável distorção
apresentada por ele.
Cada vez que nos deparamos com um novo
objeto, um novo evento, um novo dado da realidade, nos apressamos em
decodificá-lo da melhor maneira possível, utilizando nossos referenciais do
passado e todo arcabouço que seja viável empregar num curto espaço de tempo. A
eficiência desse processo pode ser vital em certas situações e irrelevante, a
curto prazo, em muitas outras. E a partir daí podemos rastrear o verdadeiro
problema. O preconceito sempre foi e será inerente à vida humana, assim como as
limitações do conhecimento são cada vez mais colossais, à medida que esse
conhecimento avança. Por isso, a problemática não está nas apressadas ideias
pré-concebidas que fazemos do real e, sim, no enraizamento dessas conclusões
necessariamente distorcidas e superficiais.
Muitas vezes confunde-se o preconceito
com o ato discriminatório, este, sim, intolerável e passível de erradicação. A
discriminação, enquanto ação, não poderá materializar-se, caso seja precedida
de um mínimo de reflexão. A tal ponderação e razão apontadas pelo Houaiss. Lembrar
aquela estória de dois ouvidos e uma boca; contar até dez, até mil; respirar
fundo e exercer essa fascinante habilidade denominada: pensar.
Se formos penetrar mais fundo na
dicotomia conhecimento\ignorância, será forçoso reconhecer a inexorabilidade da
distorção, enquanto uma condição humana de enxergar a realidade. No entanto, ainda
que as trevas estejam presentes a cada ponto de luz acendido, não podemos
olvidar os efeitos dessa iluminação na nossa capacidade de ver melhor o mundo,
de transitar nele e estruturá-lo mais satisfatoriamente. Nesse sentido, o foco
do nosso combate deveria ser o comodismo, a passividade, a inflexibilidade
diante do mundo, diante do novo. Reacendamos o dinamismo próprio do ser humano.
Dínamo que é força, que é alma, que é vida! A curiosidade, a sede insaciável
pelo conhecimento. Assim, estaremos sempre nos deslocando para longe dessa
superfície preconceituosa, mas talvez nunca cheguemos ao fundo da “toca do
coelho”.
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