Olá galerinha do bem e do mal, como estão?
“José Olívio Paranhos Lima (Catu, 2 de setembro de 1955) é um cordelista brasileiro. Filho de Olívio Pereira Lima (Oliveira) e Amélia Paranhos Lima (Iaiá), criado, porém, por Gedalva Ramalho Madureira (Dai), escritor, ativista ecológico e autor de obras em Literatura de Cordel brasileiro. Aos seis anos, mudou-se para Alagoinhas. É membro da Ordem Brasileira dos Poetas de Cordel. Autor de vários livros de poesia, José Olívio é licenciado em Letras pela UNEB, professor radicado em Alagoinhas, no Estado da Bahia. Durante a elaboração da Constituição brasileira de 1987, o poeta deflagrou um movimento Circuito Nacional de Preservação da Amazônia, que antecedeu, no país, a criação das entidades ecológicas. Espírita, dedicou algumas de suas obras à divulgação da fé que abraçou.”
Apresentado, ligeiramente o autor, resta
apresentar a personagem central do cordel de Paranhos. Joanna de Ângelis é
famosa no meio espírita, por ser considerada a mentora espiritual do médium
baiano Divaldo Franco. Franco é, nada menos, que o maior expoente no movimento
espírita brasileiro e, quiçá, internacional, uma vez que o Brasil figura como o
principal país espírita contemporâneo, tanto em termos quantitativos como
qualitativos. Não por acaso, um dos cordéis de Paranhos é dedicado,
especialmente ao médium: Divaldo Franco,
O Baiano que virou Cidadão do Mundo.
O mentor ou guia espiritual possui uma
função análoga ao do anjo da guarda católico, sendo que, em casos de
mediunidade aflorada, essa função extrapola aquela interlocução muda e
aparentemente unilateral, baseada na crença do invisível para configurar-se uma
experiência audível, visível ou, até mesmo, tangível. Ou seja, do ponto de
vista do médium, seria uma experiência tão real quanto qualquer outra e, por
isso mesmo, sua interlocutora, Joanna, longe de ser um fruto de algum distúrbio
mental, figuraria como uma entidade tão viva quanto real. Paranhos escreve a
partir dessa perspectiva.
Segundo Divaldo Franco, Joanna de
Ângelis teria encarnado ao menos quatro vezes na Terra. Na primeira “descida”
teria sido Joana de Cusa, uma das mulheres do evangelho canônico. Seria esposa
de Cusa, o procurador de Herodes e tornou-se uma das principais discípulas de
Jesus, segundo o livro Boa Nova,
psicografado por Francisco Xavier.
Numa segunda encarnação, teria sido uma
seguidora de São Francisco de Assis, cuja missão era a renovação de uma Igreja
desvirtuada. Encarnanda pela terceira vez, ela ressurge em Nova Espanha (atual
México), séc. XVII, como Juana Inês de La Cruz. Esta, talvez seja sua mais
importante encarnação. Inês de La Cruz é uma famosa personagem histórica do
México, devido às suas vigorosas obras de poesia e dramaturgia. Foi uma criança
prodígio e autodidata, aprendendo espanhol, português, nahuátl e latim, num
curto período de tempo. Intentou ingressar na Universidade, vestida de homem,
por ser essa instituição de ensino
restrita aos homens, mas terminou por saciar sua sede de saber na ordem das
Carmelitas e, posteriormente, na ordem das Jerônimas. Foi uma monja das
bibliotecas, erudita, aficionada por livros e defensora da liberdade da mulher,
sendo considerada a primeira feminista da América.
O primeiro detalhe que chama atenção no
cordel é o próprio título. Joana de Ângelis é alçada à condição de mentora das
Américas. A América aparece no plural, demonstrando uma noção de desmembramento
desse continente, por parte do autor. Na perspectiva de Paranhos, existe mais
de uma América, fato que pode ser justificado das mais diversas formas e sob
variados referenciais. Ainda assim, Joana aparece como um fator de coesão,
supondo a ideia de vários em um. Esse argumento é corroborado pelos versos que
qualificam Joana como “a primeira americana a defender a mulher”. Nesse caso,
não há especificação de América Latina, do Norte ou do Sul. Ela é vista como
uma personalidade americana, não restrita aos EUA, mas referente ao Continente
assim nomeado, em homenagem a Américo Vespúcio.
A região que hoje corresponde ao
Estado mexicano aparece nos versos de Paranhos associada à doença, à fome (pobreza)
e à ignorância: “Onde havia muito doente \ E povo passando fome \ Era rude
aquela gente.” Isso contrasta com a posição privilegiada da personagem, que
chegou a frequentar a corte como dama de companhia da vice-rainha, a Marquesa
de Mancera. Além de conviver com uma nobreza local abastada, Juana contrastava
pelos seus destacados dotes intelectuais, dotes esses que tornaram possível os
contatos com a corte e lhe granjearam a amizade de mulheres da nobreza. Ela
surge como um farol, em meio a uma terra sofrida.
Se, por um lado, a Nova Espanha
parece um lugar desolador, Juana Inês encarna com brilhantismo um projeto de
redenção e libertação das Américas. Uma personagem heroica, destacada pela sua
erudição que, mesmo vivendo em meios elitistas e conservadores, foi capaz de
questionar o status quo, submetendo-se, deliberadamente, às disciplinas
rigorosas das ordens religiosas, fora do conforto da corte. Uma submissão que
tinha como pano de fundo seu desejo ardente pelo conhecimento, vetado pelas
Universidades da época. Ironicamente, nessa terra de fome e doença, a heroína
de Paranhos morre, vítima de uma epidemia, e, mesmo próxima da morte, conseguiu
socorrer várias irmãs.
O cordel, o qual descreve três
encarnações de Joanna de Ângelis, equipara Brasil e México como países
americanos, pertencentes à mesma América. Fato interessante, se nos lembrarmos
da maneira apartada como muitos brasileiros pensam o Brasil em referência à
América Latina. No meio espírita, o Brasil é visto como a pátria do evangelho,
aquele responsável por encabeçar uma revolução espiritual no planeta. E, apesar
de o autor pensar em Américas, incluindo todo o Continente, as encarnações
citadas ocorreram em dois dos principais países latino-americanos: México e
Brasil. Não menos importante, o trabalho de Joanna, enquanto espírito
desencarnado, voltou-se mais uma vez para o Brasil, auxiliando Divaldo Franco.
Se, no cenário político mundano, a América Latina não assume um papel de
protagonista global, ao menos para o cordelista José Olívio e muitos espíritas
e umbandistas, essa região do globo possui uma relevância inolvidável.