terça-feira, 1 de agosto de 2017

Introdução à História




Anima Animus
Mg Amaral
Série: Livros Didáticos de História - 1

 Olá galerinha contadora de historias e estórias...

     Quem sou eu? De onde vim? Para onde vou? Existe significado na vida? O que é a vida? O que é aqui? O que é agora? O que é a realidade? Por que estou aqui? Por que estou lendo este texto? Essas são algumas das chamadas grandes questões da humanidade (com exceção da última, talvez), as perguntas fundamentais, o cerne da nossa curiosidade, o móvel de todas as ciências ou de toda Ciência. Não basta sabermos responder, porque saber formular perguntas é tão importante quanto formular respostas: saber que não somos oniscientes, ou seja, não sabemos tudo, possuímos conhecimentos limitados. Justamente por conta desses limites, devemos estar abertos a reconhecer equívocos, a reelaborar pensamentos, a mudar paradigmas diante de novos conhecimentos etc. Ainda que nossos conhecimentos objetivos tenham limitações, nossa curiosidade, imaginação e criatividade estão sempre aptos a superar todas as restrições, todos os obstáculos, ampliando os horizontes indefinidamente. Sem que percamos a humildade, o infinito nos espera, a imaginação é nossa estrada!
     Olá, tudo bem? Como foi seu dia? Consegue recordar-se de tudo que ocorreu hoje, ontem, anteontem? Poderia nos contar sobre cada detalhe do seu dia? Perdão, talvez seja falta de educação, afinal, ainda não nos conhecemos. Pois bem, galerinha do bem e do mal, irei relatar o meu, para se sentirem mais à vontade:
     Acordei pela manhã (poderia ser à tarde para os mais dorminhocos e ociosos), abri os olhos sonolentos, desejando mais cinco minutinhos, mais dez, mais quinze, mais vinte.... Após lavar o rosto, a sonolência dissipou-se, olhei o celular, selecionei um vídeo meditativo no YouTube e iniciei meus dez minutos de respiração profunda matinal, uma atividade proposta a mim mesmo, há alguns dias. Após tanto expirar e inspirar, finalmente tomei o café da manhã, na paz de Cristo e aqui estou, de fone nos ouvidos, ao som do mantra OM, produzindo esse singelo texto.
      Talvez seu primeiro impulso seja comparar suas primeiras horas da manhã com as minhas e, quem sabe, imaginar como seriam as primeiras horas das outras sete bilhões de pessoas do planeta. Quantas possibilidades, quantas diferenças e quantas semelhanças poderíamos encontrar? Esse pequeno relato constitui a História, uma história, uma estória ou apenas uma memória? Quais os significados desses termos e que relações eles guardam entre si? Perguntas profundas para as primeiras horas da manhã, contudo toda hora é história. A palavra história deriva do antigo termo grego historie que significa “investigar”, geralmente utilizado para referir-se a ocorrências passadas. Heródoto (484 a.C – 425 a.C) foi considerado o Pai da História e teria nascido em Halicarnassos, hoje Brodum, na Turquia. Um personagem cercado de controvérsias, suscitando calorosos debates entre os estudiosos. Seu livro Histórias aborda questões relativas à Grécia, ao Império Persa (guerras médicas) e ao Egito. Heródoto pretendia evitar o esquecimento dos feitos gregos, assim como dos povos adjacentes, naquela época. As fontes de sua História eram suas observações diretas, por meio das viagens empreendidas, além dos testemunhos de terceiros sobre fatos não presenciados por ele. Esquecimento, memória. Imagine-se com uma profunda amnésia. Quem seria você? Você continuaria sendo você mesmo? Suas atitudes em relação às pessoas à sua volta, em relação ao mundo mudariam, se você esquecesse tudo o que ocorreu, tudo o que aprendeu até hoje?
        As memórias dos antigos se baseavam nas tradições orais, no boca a boca, nos rituais religiosos passados de geração a geração, muitas vezes mais eficazes do que nossa sociedade informatizada poderia conceber. Mesmo assim, Heródoto possibilitou o registro escrito dessas memórias, evitando a fluidez que dissolve a tradição oral com o desenrolar dos séculos. Entretanto, essa História não era mero registro de memórias. Era interpretação, reflexão e sistematização de um conhecimento gerado a partir das inúmeras informações coletadas. Memória e esquecimento constituem o nosso ser. As memórias possuem lacunas, por isso são fragmentárias. Estudos de neurocientistas vinculam memória às emoções, uma vez que as nossas mais fortes lembranças envolvem os acontecimentos ligados às mais fortes e significativas emoções. Qual o sentido disso tudo? Talvez as palavras seleção, interpretação, perspectiva, limitação, interação e imaginação possam nos ajudar.
     Da mesma maneira que Heródoto interpretou os dados coletados ao longo de suas viagens, nós também interpretamos os acontecimentos à nossa volta, ao construir memórias, ao decidirmos o modo como agiremos em cada situação. O modo como você interpreta um evento ou uma pessoa influencia na sua maneira de agir? Podemos dizer que tudo no mundo seria um texto, um texto escrito, auditivo, tátil, olfativo ou visual? Podemos dizer que todos esses textos comportam possíveis leituras, diferentes entre si? E essas leituras dependeriam de nossos conhecimentos, de nossas perspectivas, de nossa visão de mundo? Por exemplo: recordam-se da minha historinha sobre esta manhã? Pois então, imagine o que diria uma pessoa que nunca leu nada sobre mantras e meditação. Talvez essa pessoa seja você, inclusive. A partir da visão dela, do seu ponto de vista, a minha prática de meditar, ao acordar, pode parecer incompreensível, intrigante, dispensável ou, até mesmo, uma perda de tempo. Pode ser que sua curiosidade a leve a pesquisar sobre o assunto e que essa pesquisa mude sua opinião sobre o fato ou reforce a opinião pré-existente, agora mais fundamentada. Consegue conectar-se com tudo já dito anteriormente?
     Outra probabilidade seria eu ter inventado toda aquela estória matinal, desta vez com “E”: ficção, criação, imaginação, literatura. Ainda que seja uma estória plausível de ter ocorrido, referenciada em aspectos da nossa realidade, qual elemento a caracterizaria enquanto uma indiscutível ficção? Sua principal fonte, a imaginação! A mesma imaginação capaz de compor belas músicas, poesias, jogos de computador e consoles, filmes, romances etc. Aqui chegamos a um dos pilares da História, enquanto disciplina acadêmica: suas fontes. As fontes históricas são os inúmeros tipos de vestígios legados pela humanidade ao longo do tempo, incluindo as obras ficcionais. Toda ficção foi produzida por alguém, em algum lugar, em alguma época, com algum ponto de vista, forma de interpretar o mundo. Investigar essas variáveis é o trabalho do historiador. A mulher, o homem e suas obras no decorrer dos tempos. Mudanças e permanências:

        A compreensão das relações existentes entre passado e o presente é uma questão intrigante. É também uma das questões centrais da História, disciplina que se dedica ao estudo das vivências humanas em épocas e lugares distintos. Ela investiga o que mulheres e homens de diferentes sociedades e épocas fizeram, pensaram e sentiram no decorrer de suas vidas. Abrange, por exemplo, aspectos da vida econômica, política, da cultura material e das mentalidades. (Cotrim, Gilberto: História Global: Brasil e geral: volume único – 10. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2012 - pg 11, cap. 1)

        O como, o método é outra chave para compreensão da disciplina História. A forma de tratar as fontes, a maneira de tecer as críticas, de questionar as fontes, a fim de extrair a verdade ou as verdades possíveis. Destacadamente, ao longo do séc. XIX, a História foi se consolidando como uma disciplina científica moderna, apoiada numa metodologia específica, na esteira do pensamento positivista. Positivismo rima com conhecimento objetivo, positivo, ou seja, a chance de conhecer a verdade dos fatos, de reconstituir a História, tal qual ela aconteceu. Caso você releia esse texto, perceberá a contradição desse pensamento com os argumentos construídos até aqui. Seria possível escrever a história exatamente como ocorreu? E o que significa esse “exatamente”? Teria o mesmo sentido para todas as pessoas debruçadas sobre os mesmos assuntos? Lembrem-se das questões de perspectivas, da não onisciência humana, das lacunas nas memórias, das lacunas nos próprios documentos, da interferência de nossas emoções, da subjetividade. Você seria capaz de reconstituir sua história exatamente como ela ocorreu? Como seria essa mesma história se fosse contada por sua mãe ou seu pai, por exemplo, ou por qualquer outro que tenha convivido bastante tempo com você? Ou como seria se um desconhecido entrevistasse as pessoas que o conheceram, para contar sua história ou mesmo recolhesse todos os vestígios de atividades deixados por você, ao longo do tempo? Faça um teste simples para perceber as possibilidades de diversas versões de uma mesma história:

        Ao mesmo tempo que existe uma pluralidade de pontos de vista sobre o passado, múltiplas são as “vozes” que nos falam dele. Essas “vozes”, ou melhor, essas fontes de informações, estão nos discursos orais e escritos, monumentos, obras literárias, pinturas, obras de arte, objetos cotidianos e mesmo nos corpos preservados ou esqueletos de pessoas de agrupamentos antigos, bem como no DNA de seus descendentes. Portanto, para apreender as múltiplas “vozes” do passado, cabe ao historiador definir enfoques, sem deixar de considerar a existência de outros.
         As fontes não falam por si e não trazem a verdade pronta: é preciso que o pesquisador interrogue o contexto em que foram produzidas, que grupo ou valores representam, de que maneira abordam e retratam os diferentes grupos sociais. Essas perguntas são geradas pelos interesses do historiador e pelas questões de sua época. Por isso, diferentes perguntas revelarão diferentes respostas de um mesmo documento, ou levarão a outros documentos. (Vicentino, Cláudio; Dorigo, Gianpaolo – História Geral e do Brasil 1. Ed. – São Paulo: Scipione, 2010 – pg 11)

         Se a História fosse uma religião, seu deus seria Cronos, o deus grego do Tempo. O tempo seria como uma gigantesca corrente marítima e nós estaríamos imersos nessa corrente, navegando em diferentes velocidades. Lembra-se das emoções? Aí estão elas, mais uma vez. Os tempos alegres passam tão rápido. Os tempos tristes e entediantes, tão devagar. Em nossa sociedade de tantas ocupações ao mesmo tempo, não parece estar voando? Percepções de tempo, perspectivas. Como passaria o tempo de sociedades indígenas, vivendo em florestas? Como passaria o tempo, nos campos dos interiores desse Brasil? Como cada um deles conta esse mesmo tempo? A partir do Sol, da Lua, dos fenômenos naturais, das épocas de plantio e colheita ou a partir de nossos relógios industrializados? Para que serviriam nossos relógios, numa sociedade florestal? Durante milhares de anos, as diversas populações humanas contaram o tempo de variadas maneiras, muitas vezes recorrendo aos fenômenos naturais observáveis, criando calendários cujos significados diferiam muito entre cada povo, pois cada um estava imerso em sua cultura e religiosidade. A História acadêmica estuda os homens no tempo, as singularidades de cada tempo. Estudar sociedades pretéritas seria como viajar para países distantes, mesmo que se trate de nosso próprio país. Tal qual o tempo, a percepção do mesmo varia de acordo às nossas emoções, os tempos históricos variam de acordo aos significados atribuídos aos fatos e temas organizados pelos historiadores, sendo uma construção social, passível de críticas e reorganizações.

    “Conhecimento é poder” - dito popular. Existe uma estreita relação entre os diversos ramos do conhecimento, como dizia o Pai da Pedagogia moderna, Comenius (1592-1670), citado pelo filósofo e pedagogo espanhol Antoni Zabala, em seu texto “A Organização dos Conteúdos da Aprendizagem”.  Em outras palavras, a Ciência seria uma só, compartimentada em várias disciplinas, devido às limitações da vida humana. Impossível aprender sobre tudo, ao mesmo tempo, em apenas uma encarnação. Por isso, o modelo de produção industrial, divisão em partes especializadas para otimizar o tempo, foi aplicado às Ciências. No entanto, não devemos perder de vista esta interconexão. O poder se expressa das mais diversas formas, desde a capacidade de se levantar da cama, abrir os olhos, até ocupar um cargo de presidência institucional. Poder e viver estariam indissociáveis, sendo o viver mais abundante, quanto maior o poder. Poder, influência, realização. Somos parte da humanidade ou estamos à parte dela? Então, sobre quem trata a História? Quem sou eu? Quem é o outro? Quem sou eu em relação ao outro? O que é a sociedade? As sociedades? Como vejo o outro? Como o outro me vê? Quantas verdades são possíveis? Autoconhecimento, conhecimento social, conhecimento cultural, político, econômico, religioso. O que aquelas sociedades lá de onde “Judas perdeu as botas”, perdidas nas brumas do tempo, têm a ver com você? E o passado recente também é História? Historie, investigue! Tudo isso descobriremos juntos ou ao menos viveremos tentando, nessa aventura pelos vestígios da História. Convido vocês a construírem seus caminhos, sem a vergonha de pedir ajuda a quem puder ajudar, sempre que necessário. Super-heróis possuem superpoderes. Humanos possuem poderes. E quão extraordinários serão esses poderes, quanto mais ampliarmos nossos conhecimentos, nossos horizontes. Quanto mais estivermos unidos em prol da sabedoria, mais os poderes serão ampliados. Conte uma história, conte sua história, contemos nossas histórias...